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Percepção da arte e do design na arquitetura

Você já parou pra pensar em como a arte e o design impactam a nossa vida? E para além disso, já tentou entender como esses componentes, quando aplicados à arquitetura, se relacionam com a neurociência para influenciar nossas sensações através da percepção diferencial do mundo? Nesse texto, vamos explicar como a percepção influenciada pela arte em espaços desenhados pelo homem é capaz de influenciar nossos comportamentos.

Qual a importância de se entender a arte e o design num contexto neurocientífico

Para começarmos o nosso debate, primeiro é importante entendermos o que é arte. Por definição, ela consiste em um leque de atividades humanas que resultam em um produto, através de processos criativos através da proficiência de uma técnica, expressando beleza, poder emocional ou ideias conceituais. Já o design é o produto dessa concepção artística quanto sua forma e funcionalidade. Aliando esses conceitos com a arquitetura, é possível criar espaços que irão contribuir para o florescimento de comportamentos, saúde e bem-estar [0], uma vez que a arte é capaz de eliciar emoções poderosas, como veremos neste texto. Especialistas de estética nos mais diversos campos do conhecimento indicam a necessidade e importância de arredores estéticos para saúde e bem-estar das pessoas [1].

Beleza e estética em neurociência 

Trabalhar com “beleza” pode ser contraditório, pois não é um conceito universal: sabemos desde de crianças que “o que é bonito para alguém, pode não ser bonito para outro alguém”. Kant entendia beleza com uma “contemplação desinteressada”. Stendhal, um dos grandes romancistas franceses do século XIX, a caracterizou como uma “promessa de felicidade”. Já Elaine Scarry, especialista de Harvard no campo da estética, a descreve como uma “necessidade de repetir”. Enquanto todas essas definições são respeitadas, nenhuma é aceita universalmente: você mesmo pode não ter concordado com alguma delas; isso acontece porque há amplas evidências de que as noções de beleza variam entre culturas e são até mesmo mutáveis dentro dela, sendo que podemos pegar a fast fashion como um exemplo, na qual uma coleção de moda do ano passado pode ser considerada feia e ultrapassada neste ano.

É bem estabelecido, entretanto, que temos preferência pelo o que nos é familiar. Isso se dá pelo que chamamos de “Efeito de Mera Exposição”, no qual ocorre preferência por estímulos que já vimos antes, sejam eles visuais, táteis, musicais e outros [2,3]. Já não aconteceu com você de não gostar de uma música na primeira vez que escuta, mas de tanto ouvi-la tocando nos lugares, passa a se afeiçoar à ela? A novidade desperta curiosidade, mas também desperta o medo [4]: basta pensar em animais quando são apresentados a um novo objeto, irão explorá-lo, sentir o seu cheiro, olhar mais de perto, mas sempre em estado de alerta, até se acostumarem com ele. Essas duas características se aliam para as noções de gosto culturalmente compartilhado, que indica como diferentes culturas possam ter diferentes referenciais de beleza.

As relações da arquitetura com a neurociência

Podemos notar então que a arte e o design são componentes fundamentais da arquitetura: o desenho dos espaços é feito levando em conta o objetivo do mesmo para atender a uma funcionalidade, sendo atribuídos a eles características artísticas que irão influenciar neste processo. Como poderia então a neurociência auxiliar neste processo?

O que é a neuroarquitetura e no que ela se baseia

Construir um espaço de maneira positiva requer que levemos em consideração elementos físicos, ambientais e cognitivos, sendo necessário que o mesmo pareça certo emocionalmente e funcionalmente para os que o frequentam, afinal, o elemento mais importante a ser considerado é o próprio ser humano que nele estará presente [5]. Arquitetura é um espaço de arte colaborativo, pois seus usuários o usam e o criam por suas próprias interações.

Nós como humanos nos envolvemos com o ambiente de maneira cognitiva e emocional, e as ferramentas atuais da neurociência, como EEG, fMRI e realidade virtual abrem um campo de estudo interessante para se analisar essa interação [6,7]. Por apresentar uma visão interdisciplinar, a ambição que a neuroarquitetura tem é de promover esses estudos de percepção e resposta a estímulos, gerando assim dados científicos que embasem a criação de espaços desenhados para fornecer um contexto positivo para nossas experiências [8].

Tendo esse processo em mente, a neurociência se une à arquitetura na noção de enriquecimento ambiental. Esta é uma prática amplamente aplicada em laboratórios de pesquisa animal para fazer com que estes fiquem menos estressados por possuírem pequenas melhorias no seu ambiente, como por exemplo ajustes de luminosidade, locais adequados para dormir e atividades físicas para praticar [9]. Assim, podemos dizer que a aplicação da neuroarquitetura no desenvolvimento de espaços pode ser uma técnica de aplicação de enriquecimento ambiental para os seres humanos, pensando melhor os ambientes frente às suas necessidades.

Neuroarquitetura é diferente de citoarquitetura neuronal!

Nessa altura do nosso texto, é importante fazermos uma diferenciação: o que vimos até agora como neuroarquitetura é integração de diferentes campos do conhecimento, como estética, design e beleza, aplicados à arquitetura por meio da neurociência para prover melhor interação com seu usuário. Entretanto, esta definição é relativamente nova. Antigamente, este termo se referia a noção de arranjo e disposição das células do sistema nervoso, muitas vezes em camadas, mas atualmente à essa noção se dá o nome de citoarquitetura neuronal, já que é uma arquitetura das células.

Influência do ambiente nos sentidos

Entendido o que é a neuroarquitetura, agora podemos tentar entender como seus componentes são capazes de influenciar nosso comportamento. Assim, vamos explorar algumas noções mais detalhadamente.

Cores e a preferência visual

Cor, para Newton e na física em geral, é uma energia que possui tendência de gerar uma sensação. Mas o que isso quer dizer? A cor é uma percepção sensorial que ocorre por meio do sistema visual e que se inicia com a emissão de raios luminosos, que por sua vez, refletem nos objetos até chegar em nossa retina e então geram uma informação que no sistema nervoso ganhará um significado cromático [10].

A preferência que temos por cores possuem várias teorias: de que se deu por adaptações comportamentais pois derivam dos sinais transmitidos na natureza e que permanecem até hoje, seja por abundância ou até mesmo padrões de cores que indicam perigo [11]; ou então de que se dá por modelo de cores-oponentes como por exemplo encontrar frutas maduras vermelhas sobre folhas verdes, indicando predileção pelo vermelho sobre o verde [12]; ainda de que os sentimentos positivos evocados por cores ou combinações podem estar causalmente ligados à preferência [13]; de que existe uma preferência determinadas pelas respostas afetivas a objetos da mesma cor [14]. Muitos estudos, por exemplo, apontam o porquê a maioria dos indivíduos gostam tanto da cor azul: não evoca emoções negativas, não está associada com evitação na natureza, e nem a objetos desagradáveis.

A música ambiente na apreciação da arte

Até mesmo sons, repercutidos pela acústica do ambiente, podem influenciar nossa percepção. Músicas de fundo já são bem estabelecidas por possuírem efeitos no comportamento (não à toa locais de espera geralmente apresentam esse recurso), mas a música também é um dos fatores que podem causar influência na interpretação estética de obras de arte [15]. O uso combinado de músicas com obras, por exemplo, resultam em uma estrutura congruente que possivelmente interferem no foco da atenção visual e na sua interpretação, bem como são capazes de gerar significado emocional. Por isso, a acústica de um ambiente está diretamente ligada com a influência em nossas emoções.

Os sentidos de um lugar e a mente multisensorial

Vimos aqui os efeitos de algumas sensações ambientais em nossa percepção, ou pelo menos a sobreposição de alguns, mas na realidade todos os sentidos trabalham em conjunto para determinar a nossa realidade. Apenas reconhecendo a natureza multi sensorial da percepção que podemos explicar eventos multimodais, como por exemplo interações entre luz e conforto térmico e até mesmo sons e noção de segurança [16]. Todos os sentidos explorados são levados em conta numa narrativa do design universal, que trabalha com o desenvolvimento focado na aplicabilidade para todos os corpos independentemente de suas diferenças, sejam elas com redução de mobilidade, visão ou audição [17].

A natureza e sua capacidade de cura

Não apenas o ambiente é capaz de influenciar nossos sentimentos e comportamentos, ele também é capaz de modular como o nosso corpo se comporta fisiologicamente. Ao redor do globo, diversos hospitais têm implementado áreas verdes dentro de suas infraestruturas devido a estudos que indicam sua capacidade de modular a melhora de pacientes, tempo de recuperação e também diminuir erros médicos e o estresse da equipe [18]. Os “PlanetArvores”, como são chamados, foram desenhados para fornecer apoio e cura em todos os níveis, sejam eles emocionais, espirituais e físicos [19]. Até mesmo coisas simples, como a exposição à luz natural que encontramos no meio da natureza, é capaz de reduzir a depressão e a fatiga e aumentar os estados de alerta. 

Correlatos neurobiológicos

Podemos trabalhar também, uma vez que são conceitos relacionados com a neurociência, alguns pontos de intersecção com a biologia do nosso sistema nervoso, que foram proporcionados pela emergência de técnicas úteis que também auxiliam no entendimento da arquitetura.

Quanto à estética, estudos apontam que a única área comumente ativada quando se julga espaços considerados bonitos é o Córtex Orbitofrontal medial, que é também ativado em estudos examinando a relação entre recompensa, prazer e julgamento, enquanto que o contraste para estímulos visualmente feios leva a uma ativação do corpo amigdalóide, comumente relacionado a eventos aversivos [20]. 

Alguns aspectos como coerência (facilidade de organizar e compreender uma cena), fascinação (riqueza de informação e o interesse gerado por elas) e conforto são métricas que já foram analisadas em resposta a imagens de espaços desenhados pelo homem. Estudos com ressonância magnética funcional indicam uma covariação desses três aspectos com a atividade neuronal durante algumas tarefas cognitivas em regiões, estando ligados com o julgamento da beleza tomada de decisão de aproximação [21].

Finalmente, um link entre o desenho ambiental e respostas sensório-motoras foi descrito através de redes tálamo-corticais [22]. Diante desse cenário possibilitado por estes novos achados, aproximar a neurociência da arquitetura se torna uma tarefa obrigatória no planejamento de espaços que sejam não apenas inclusivos, mas que também tenham o ser humano como foco. Desenhar esses novos lugares sob a luz da neuroarquitetura como ciência promoverá uma otimização do uso dos mesmos, sempre levando em conta a experiência humana como o processo determinante em um projeto, possibilitando assim maior conforto e bem-estar

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Referências 

Referências 

[0] Coburn A, Vartanian O, Chatterjee A. Buildings, Beauty, and the Brain: A Neuroscience of Architectural Experience. J Cogn Neurosci. 2017 Sep;29(9):1521-1531. doi: 10.1162/jocn_a_01146. Epub 2017 May 11. PMID: 28493809.

[1] Caspari S, Eriksson K, Nåden D. The importance of aesthetic surroundings: a study interviewing experts within different aesthetic fields. Scand J Caring Sci. 2011 Mar;25(1):134-42. doi: 10.1111/j.1471-6712.2010.00803.x. PMID: 20626697.

[2] Palmer SE, Schloss KB, Sammartino J. Visual aesthetics and human preference. Annu Rev Psychol. 2013;64:77-107. doi: 10.1146/annurev-psych-120710-100504. Epub 2012 Sep 27. PMID: 23020642.

[3] Inoue K, Yagi Y, Sato N. The mere exposure effect for visual image. Mem Cognit. 2018 Feb;46(2):181-190. doi: 10.3758/s13421-017-0756-6. PMID: 28856624.

[4] Bronson GW. The fear of novelty. Psychol Bull. 1968 May;69(5):350-8. doi: 10.1037/h0025706. PMID: 4968991.

[5] Reddy SM, Chakrabarti D, Karmakar S. Emotion and interior space design: an ergonomic perspective. Work. 2012;41 Suppl 1:1072-8. doi: 10.3233/WOR-2012-0284-1072. PMID: 22316862.

[6] Higuera-Trujillo JL, Llinares C, Macagno E. The Cognitive-Emotional Design and Study of Architectural Space: A Scoping Review of Neuroarchitecture and Its Precursor Approaches. Sensors (Basel). 2021 Mar 21;21(6):2193. doi: 10.3390/s21062193. PMID: 33801037; PMCID: PMC8004070.

[7] Ghamari H, Golshany N, Naghibi Rad P, Behzadi F. Neuroarchitecture Assessment: An Overview and Bibliometric Analysis. Eur J Investig Health Psychol Educ. 2021 Nov 5;11(4):1362-1387. doi: 10.3390/ejihpe11040099. PMID: 34842658; PMCID: PMC8628715.

[8] Eberhard JP. Applying neuroscience to architecture. Neuron. 2009 Jun 25;62(6):753-6. doi: 10.1016/j.neuron.2009.06.001. PMID: 19555644.

[9] Coleman K, Novak MA. Environmental Enrichment in the 21st Century. ILAR J. 2017 Dec 1;58(2):295-307. doi: 10.1093/ilar/ilx008. PMID: 28444189; PMCID: PMC6279160.

[10] Backhaus, W. G. K., Kliegl, R., & Werner, J. S. (Eds.). (1998). Color vision: Perspectives from different disciplines. Berlin: de Gruyter.   

[11] Humphrey, Nicholas. (1976). The Colour Currency of Nature. 10.4324/9781315881379-3. 

[12] Hurlbert AC, Ling Y. Biological components of sex differences in color preference. Curr Biol. 2007 Aug 21;17(16):R623-5. doi: 10.1016/j.cub.2007.06.022. PMID: 17714645.

[13] Ou, Li-Chen & Luo, Ming & Woodcock, Andrée & Wright, Angela. (2004). A study of colour emotion and colour preference. Part I: Colour emotions for single colours. Color Research & Application. 29. 232 – 240. 10.1002/col.20010. 

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[18] Nelson R. Designing to heal. Am J Nurs. 2006 Nov;106(11):25-7. doi: 10.1097/00000446-200611000-00008. PMID: 17068425.

[19] Reddy SM, Chakrabarti D, Karmakar S. Emotion and interior space design: an ergonomic perspective. Work. 2012;41 Suppl 1:1072-8. doi: 10.3233/WOR-2012-0284-1072. PMID: 22316862.

[20] Ishizu T, Zeki S. Toward a brain-based theory of beauty. PLoS One. 2011;6(7):e21852. doi: 10.1371/journal.pone.0021852. Epub 2011 Jul 6. PMID: 21755004; PMCID: PMC3130765.

[21] Chatterjee A, Coburn A, Weinberger A. The neuroaesthetics of architectural spaces. Cogn Process. 2021 Sep;22(Suppl 1):115-120. doi: 10.1007/s10339-021-01043-4. Epub 2021 Aug 27. PMID: 34448969.

[22] Djebbara Z, Jensen OB, Parada FJ, Gramann K. Neuroscience and architecture: Modulating behavior through sensorimotor responses to the built environment. Neurosci Biobehav Rev. 2022 Jul;138:104715. doi: 10.1016/j.neubiorev.2022.104715. Epub 2022 May 30. PMID: 35654280.