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Aprendizagem em adultos: como se livrar de neuromitos?

À medida que envelhecemos, o nosso cérebro muda. Assim como os demais órgãos do nosso corpo, mudanças morfológicas e funcionais podem ser vistas, promovendo assim também mudanças no comportamento e a forma como interagimos com o mundo. A exemplo da aprendizagem, algumas alterações podem ser observadas, mas muitas inverdades permeiam o tema. No texto dessa semana, iremos desmistificar o tema sobre aprendizagem em adultos, de onde surgiu esse falso imaginário e como combater este e outros neuromitos sobre a neuroeducação.

A aprendizagem muda à medida que envelhecemos. Apesar de sua importância em nossas vidas, pesquisas sugerem que a capacidade de aprender muda profundamente durante os estágios de nossa vida. Entender por que, quando e como essas mudanças acontecem é essencial para combater os chamados neuromitos, que nada mais são que mentiras ou mal-entendidos causados pela interpretação errada ou tendenciosa de dados científicos.

Não é apenas a idade que entra como fator para alterar a forma como aprendemos, mas também os contextos nos quais nos inserimos. Quando crianças, somos cercados por um meio rico em informações voltadas para o desenvolvimento sensorial e socioemocional, enquanto que durante a fase adulta, nossos aprendizados são mais direcionados, conteudistas e cercados de regras de conduta.

Os neuromitos

Neuromitos nada mais são que informações erradas a respeito da neurociência, faltando um cunho científico, mas que se disseminam pelo seu apelo em falsamente explicar observações diárias ou na tentativa de conformidade com as dificuldades apresentadas. Estes surgem através de dados inconsistentes ou interpretações erradas, sejam por falta de cuidado ou por má fé, e por isso precisam ser postos em cheque e combatidos.

Na aprendizagem, estes são muito comuns, principalmente pelo grande salto que ainda existe entre a pedagogia e ciências educacionais com a neurociência. Assim, a neurociência aplicada à educação visa combatê-los, trazendo informações verdadeiras e que instiguem os profissionais de todas as áreas, incluindo da comunicação, das ciências da informação, das ciências cognitivas, e aplicar os conhecimentos de maneira adequada.

Assim, promover a neurociência de forma responsável nas áreas da educação, junto  uma divulgação científica acertada e sem espaço para falsas interpretações, é uma das principais atividades a serem desenvolvidas pela neuroeducação.

O desenvolvimento cerebral termina na adolescência?

Este é um dos principais neuromitos relacionados à aprendizagem. Muitos são os que acreditam que nosso sistema nervoso, quando chega em uma determinada fase de nossas vidas, se torna imutável. Embora se observe uma maior intensidade de conexões sinápticas em crianças, não podemos considerar essa diminuição de atividade em adultos como uma diminuição na capacidade de aprender. Este mito relaciona-se com um campo muito delicado da neurociência que refere-se à capacidade do cérebro em produzir novos neurônios: a neurogênese. Entretanto, esta não se relaciona diretamente a formação de novos aprendizados, pois estes se fazem pela formação de novas conexões, que podem ocorrer sem a necessidade de novos neurônios.

Inclusive, o desenvolvimento de nosso sistema nervoso perdura muito além dessa janela: estudos indicam que nosso cérebro, em especial os sistemas pré-frontais, responsáveis em grande parte pelo nosso controle inibitório, terminam de maturar somente por volta dos 24 anos. E nossa plasticidade, embora aconteça de modo diferencial ao longo da velhice, perdura por todo nosso desenvolvimento.

Há períodos críticos para aprender determinadas tarefas?

O mito de que os três primeiros anos de vida de um indivíduo configuram uma janela do desenvolvimento essencial para a formação de certas funções cerebrais e comportamentos contribui para a noção de que outras janelas ocorrem em diversas idades. Um mito construído em cima de outro. Este postula que os três primeiros anos são essenciais para a aprendizagem porque é nessa fase que a maioria do cérebro é formado, e que falhas do desenvolvimento nessa época são irreversíveis.

É verídico que nessa fase ocorre a formação de um grande número de sinapses. Entretanto, esse crescimento é freado logo em seguida numa fase referida como “poda sináptica”, na qual conexões não fortalecidas são descartadas. Esta poda é extremamente essencial para evitar conexões desnecessárias e que podem inclusive atrapalhar o funcionamento de nossas funções. 

Os indivíduos aprendem melhor quando recebem a informação na sua forma preferida de aprender?

Esta informação baseia-se na ideia que informações diferentes são processadas em diferentes áreas do encéfalo. Embora sejam processadas em conjunto com outras áreas, elas chegam primeiramente em locais diferentes, mas se conectam para que haja um processamento global da informação, e por isso é errado dizermos que apenas uma modalidade sensorial estaria envolvida com o processamento da informação. Além disso, embora hajam preferências por estilos sensoriais diferentes, estudos indicam que não há diferenças significativas na eficiência do aprendizado quando este é feito desta forma.

Os educadores estão imunes aos neuromitos?

Essa é uma noção muito difundida entre os educadores, de que, por estarem inseridos no ambiente educacional, suas convicções são de fato verdadeiras. Um estudo brasileiro apontou que, dependendo do neuromito relacionado à aprendizagem, até 90% da amostra de educadores estudada entra em consonância com uma inverdade sobre a prática educacional, como é o caso da noção de que “os indivíduos aprendem melhor quando recebem informações em seu estilo de aprendizado favorito”. Outros mitos, como “os seres humanos usam apenas 10% da capacidade cerebral” e “diferenças nas dominâncias dos hemisférios explicam as diferenças individuais” podem também chegar a altas porcentagens de concordância, 50% e 70% respectivamente.

Além disso, o tempo de docência e o número de especializações aparentemente não interfere na crença dos neuromitos por parte dos mesmos. Assim, fica claro que muitos são os profissionais em distinguir fatos de pseudociência. Entretanto, o estudo foi realizado com uma amostra pequena, e pode não refletir o panorama geral em todo o mundo. 

Um dos grandes nomes da neurociência brasileira, Suzana Herculano-Houzel, já mostrou em seus estudos que pessoas que leem mais artigos de divulgação científica sabem mais sobre neurociências do que as pessoas que não o fazem, mas uma pesquisa mostrou que ter mais conhecimentos sobre o cérebro não é um fator preventivo contra a crença em neuromitos.

É importante salientar que um educador não precisa, necessariamente, se aprofundar nos conhecimentos do cérebro para desempenhar a sua função, mas sim ter um acesso à informação correta, sendo encorajado a adquirir ferramentas para a compreensão de dados científicos. 

Outros neuromitos relacionados à aprendizagem

Existe uma pletora de desinformações a respeito da educação, tidas muitas vezes como conhecimento popular, seja pelo seu caráter histórico ou vontade humana de acreditar no extraordinário.

  • Teoria localizacionista: esta refere-se à crença de que existem áreas do cérebro responsáveis por determinadas ações cotidianas, quando na verdade, esta teoria, derivada de uma noção frenológica, é tida como incorreta, uma vez que todo nosso encéfalo atua de forma interligada e em conjunto;
  • Super memória e terapias para melhorar nosso cérebro: este neuromito se liga a noção de que existem fármacos e terapias que prometem aumentar a capacidade do nosso sistema nervoso, “desbloqueando” áreas relacionadas a capacidades além da comum, como níveis extremamente altos de foco ou memória ideográfica;
  • Ingestão de açúcares e comidas gordurosas afeta a concentração: há um grande número de evidências apontando que a ingestão de açúcares e gorduras não altera significativamente o comportamento ou performance cognitiva;
  • Ambientes ricos em estímulos melhoram o funcionamento cerebral: este parte da noção de que a privação sensorial durante o desenvolvimento é altamente prejudicial para o mesmo. Entretanto, o complementar não é necessariamente verdadeiro, uma vez que nosso encéfalo evoluiu para desenvolver-se de forma harmoniosa com um ambiente usual.

Um material muito completo sobre mais neuromitos, suas origens e explicações, está disponível no repositório online da Universidade Federal de Ouro Preto.

O treinamento cerebral pode ajudar nas estratégias de aprendizado em adultos

Mas então qual seria uma boa maneira de melhorar as habilidades cognitivas? Manter hábitos saudáveis com o próprio corpo como boa alimentação e exercícios físicos é uma boa maneira para melhorar nossas habilidades cognitivas.

Durante o período evolutivo, a espécie humana não se rendeu ao sedentarismo e nem podia. No período Paleolítico nossos antepassados eram nômades já que necessitavam se deslocar por muitos quilômetros em busca de abrigo e comida. Nesta época, o cérebro do gênero Homo evoluiu significativamente. Isso pode significar que a atividade física constante mantinha um condicionamento cardiovascular muito útil para um suprimento sanguíneo cerebral que favoreceu o aumento da complexidade dos processamentos cerebrais.

Caminhos para a educação: treinamento, ensino e aprendizagem

Quando falamos em adquirir novos conhecimentos e habilidades, passamos por um processo de aprendizagem que é natural do ser humano (e da maioria dos animais). Frente a novas informações, criamos novas formas de agir que determinam o nosso comportamento. Esta forma de conhecimento, no entanto, pode ser passada para nós, de forma voluntária ou involuntária, o que caracteriza um processo de ensino. São complementares um ao outro: quando falamos em ensino e aprendizagem de forma conjunta, nos referimos a um sistema de interações comportamentais extremamente intrincado entre as partes envolvidas .

Podemos, entretanto, adicionar uma nova variável nesse dinamismo: o treinamento. Segundo Francisco Antonio Soeltl, baseado em obras anteriores, “o treinamento se refere a uma mudança nas competências, e o ensino como uma mudança no conhecimento; a aprendizagem é um processo em que estes são adquiridos com o objetivo de melhorar o desempenho”.

Assim, existe um espectro que trabalha-se para incentivar o desenvolvimento de competências, tanto em crianças, quanto em adultos. No estilo tradicional da educação que temos vigente desde as escolas religiosas da Idade Média, o processo de transmissão de conceitos ocorre nos primeiros anos de vida. Apenas mais tarde, com o avanço da longevidade do ser humano e necessidade de mão-de-obra cada vez mais especializada, surgiu a transmissão de processos.

Os treinamentos baseados em Neurociência

A formação de professores pode se beneficiar dos treinamentos com base na neurociência, seja por meio de cursos de curta duração, seminários e workshops para o desenvolvimento crítico desses profissionais. O diálogo de forma direta entre professores e alunos, empregando as metodologias ativas, promovem o desenvolvimento de práticas baseadas em evidência, tão importantes no combate não somente de neuromitos, mas de todas as formas de informações falsas.

Assim, há uma necessidade de mudança cultural no ambiente educacional, tendo em vista que crenças sobre o aprendizado também estão presentes no funcionamento institucional, que determinam a aplicação de práticas pedagógicas. Para isso, treinamentos que visam o desenvolvimento de uma liderança podem ajudar a educar equipes para o combate de neuromitos.

Recomendações de leitura

Ekuni, R., & Pompéia, S. (2018). O impacto da divulgação científica na perpetuação de neuromitos na educação. Revista Da Biologia, 15(1), 21-28. 

Hermida, Julia; Segretin, María Soledad; Lipina, Sebastián Javier; Quem disse que tudo está perdido?: Compreendendo melhor as janelas de oportunidade no desenvolvimento; Memnon; 2; 2017; 71-85