fbpx
O que a neurociência diz sobre a construção de relações interpessoais?

Construir e manter relacionamentos faz parte de nossa natureza como seres sociais, sendo importante para a manutenção de nossa saúde e bem-estar: conexões sociais são essenciais para nossa saúde física e cognitiva, podendo até mesmo influenciar em nossa longevidade [1]. Assim, contar com a neurociência para entender sobre esse comportamento, sua construção e sua gestão, é um ótimo meio de conduzirmos nosso aprimoramento pessoal e autoconhecimento. Os conhecimentos de memória, por exemplo, são necessários para compreender a criação e consolidação de memórias de relações interpessoais [2]. 

Não apenas nossos relacionamentos próximos e íntimos, como com amigos, pares amorosos e família, são importantes nesse contexto, mas também relacionamentos no trabalho e demais dinâmicas do dia-a-dia. Estudos indicam que pessoas que possuem um grau de conectividade social maior são mais felizes e satisfeitas com a vida. Além disso, apresentam menores declínios na cognição relacionados com a idade, melhor recuperação e até mesmo maior expectativa de vida [3].

Características que contribuem para as relações interpessoais

Garantir conexão entre as partes

A base das interações sociais reside na criação de vínculos entre os envolvidos. Conexões interpessoais podem ser descritas como relações humanísticas, experienciadas por todas as partes, emergindo como uma relação que tem valor além da materialidade e que reside na essência da conexão em si, atribuindo qualidades de desenvolvimento em um local de possibilidades [4].

A conexão entre pessoas pode existir de diversas formas, seja como eliciador da relação ou como produto dela. Depende ainda da maneira com que se cria esses laços: fisicamente, comportamentalmente ou emocionalmente. Conexão social pode ser pensada como um espectro no qual reside uma alta quantidade de conexões (uma ampla rede com diversos nós) até uma baixa quantidade das mesmas (como é o caso do isolamento) [3].

Nos conectamos ao demonstrar vulnerabilidade

As pessoas procuram e recebem apoio em suas relações interpessoais ao contar informações sobre si mesmas, sobre eventos que passaram no passado ou que as afligem. Trazer essas inseguranças pode demonstrar uma certa vulnerabilidade, mas não o fazer também possui seus riscos. A omissão de informações, apesar de tão custosa, é comum devido à própria estimação errônea de seus custos [5]. Curiosamente, quando a relação já é bem estabelecida, ocorre um efeito contrário de preferência por revelar essas informações a pessoas que não são tão próximas, justamente pelo medo antecipatório da dor do acontecimento [6]. 

Em outra mão, temos um paradigma em relacionamentos íntimos: a co-ocorrência de ansiedade causada pelo apego e o excesso de valorização pessoal na relação – o que chamam de hipótese da dupla vulnerabilidade – se relaciona com tendências obsessivas-compulsivas e obsessões relacionadas à própria relação [7]. Interessante, não?

Reconhecer si mesmo nos outros através da empatia e a necessidade do não julgamentos nas relações

Quando entramos nas noções de empatia, ou seja, tentar reconhecer no outro a situação pela qual está passando, através de suas emoções, conseguimos entrar em um campo que compreende diversas definições. Dentre elas estão a alteridade, que já conhecemos, e reside no saber e no entendimento das diferenças do outro. Entretanto, temos também alguns termos um pouco mais desconhecidos, como intersubjetividade e terceiridade.

A intersubjetividade compreende um espaço entre os sujeitos, sendo importante na construção da psique uma vez que delimita a noção do indivíduo. Podemos interpretá-la também como a assimilação e incorporação do outro em si. Vemos então uma sobreposição complementar com a noção de alteridade. A terceiridade, por sua vez, compreende uma delimitação entre os sujeitos que permite reconhecer o outro fora de si, impondo na própria relação uma terceira entidade [8].

A interação entre todas essas noções é fundamental para a existência de relações interpessoais. Através delas, por exemplo, é possível reconhecer porque o não julgamento é uma importante atitude no exercício da empatia. Isso porque indivíduos que se orientam por suas relações interpessoais podem retirar informações sobre si mesmo e da relação para facilitar um julgamento correto do outro [9].

Lealdade e fidelidade como fortalecedoras 

Lealdade e fidelidade são de central importância em como nos relacionamos com os outros, tanto em âmbito profissional como pessoal, e é capaz de afetar nossas atitudes frente a eles. No campo da saúde, por exemplo, enfermeiras fazem um exercício de lealdade constante com seus pacientes, mas também com os objetivos do seu trabalho, de seus empregadores, ao mesmo tempo que permanecem leais aos seus próprios valores [10].

Esses fatores dependem da percepção dos valores e compromisso com a relação, bem como a confiança na mesma. Numa relação de assistência médica, por exemplo, a percepção da importância do serviço é relacionada com o compromisso com a relação e lealdade do paciente [11]. É assim que se gera, por exemplo, uma noção de confiança nas indicações.

Conquistando a confiança

Nos mesmos estudos citados no tópico anterior [11], os autores demosntraram que a confiança entre as partes é capaz de elevar a percepção de valor, compromisso e lealdade. É justamente a confiança uma das principais bases para a formação de interações sociais e comportamento pró-social. Apesar dos riscos e altos esforços que à ela se atrelam, a mesma evoluiu, seja através da recompensa ou custos. Até mesmo de noções mais subjetivas como desculpas, perdão e emoções como culpa, e até mesmo um mecanismo de reputação [12].

A construção da reputação através da honestidade é um dos principais pontos que modulam a confiança: é capaz de enviesar a habilidade de aprender sobre a confiabilidade momentânea e prejudica a atualização de crenças sobre o caráter do outro [13]. Sua codificação acontece em áreas que também são associadas com a previsibilidade de confiança em interações futuras, como o Córtex Pré-Frontal VentroMedial [14].

Apresentar sinceridade e honestidade na construção de relações interpessoais

A honestidade, introduzida anteriormente e que prediz um comportamento de confiança, pode ser de difícil implementação. Quantas vezes nos encontramos numa situação em que dizer a verdade poderia nos trazer prejuízos? Muitas vezes trepidamos e preferimos ser simpáticos, amigáveis e benevolentes do que encarar notícias ruins ou comentários críticos. Tudo isso mesmo apesar de conversas honestas, apesar de difíceis, trazerem benefícios ao longo prazo, seja por motivos egocêntricos ou morais [15].

A construção da sinceridade se dá desde que somos pequenos. Observamos que crianças são capazes de adquirir valores morais e sociais durante seu desenvolvimento por meio dos processos de socialização. Estudos indicam que uma das maneiras pela qual esse processo é possível é simplesmente pelo uso do “ouvir de esgueio”, “ouvir de canto”, para promover a honestidade. Crianças, portanto, são capazes de perceber que as atitudes expressas por outros podem ter implicações no seu próprio comportamento [16].

Curiosamente, a falta desse traço, que até mesmo crianças incorporam , está relacionada com índices de reeleição em uma população de prefeitos [17]. 

Respeito na mutualidade

Um fator chave na construção de relações interpessoais, de qualquer cunho que sejam, é o exercício do respeito entre os envolvidos. Estudos com membros da comunidade LGBTQIA+ e da comunidade muçulmana da Alemanha mostram que ser respeitado reflete o reconhecimento de todos como entidades iguais, sendo que aqueles que se sentem respeitados são menos propensos a atitudes contra determinados grupos sociais [18]. Além disso, o respeito se associa fortemente com satisfação nas relações[19].

O restabelecimento da confiança e portanto a fortificação dos laços, por exemplo, pode ser feito através do respeito. Ao aceitar o outro por quem ele é, pela sua identidade, focando em suas necessidades e realidades, consegue-se restaurar e assegurar relações. Este é um exemplo da experiência de pessoas transgênero com o serviço de saúde [20]. Fazer o reconhecimento das vulnerabilidades e entendê-los como características inerentes à essas pessoas é promover uma aproximação entre as partes através do respeito.

O desenvolvimento da reciprocidade

É possível promover comportamentos pró-sociais através da reciprocidade e seus componentes: preocupação pela reputação, expectativas e antecipação de futuras interações. Ao assegurar que custos imediatos que se associam com ações sociais serão sanados a longo prazo, a reciprocidade dá aporte para cooperação [21]. Para isso, um indivíduo deve ser capaz de fazer duas coisas. Primeiro de tudo, relevar um custo a curto-prazo em favor de um benefício a longo, o que conhecemos como gratificação atrasada; e segundo, não apenas lembrar de cooperações passadas, mas também serem capazes de avaliar e predizer comportamentos futuros da outra parte [22].

Geração de vínculos através do pertencimento

O pertencimento pode se definir como um sentimento de valor e respeito que derivam de uma relação recíproca com uma terceira parte. Assim, se constrói baseado em experiências, crenças e características pessoais compartilhadas [23]. A formação dos laços acontece sob a maioria das condições, e pertencer a um grupo possui efeitos em processos cognitivos e padrões emocionais, sendo que a falta dessa noção está ligada a efeitos na saúde e bem-estar [24].

Essa necessidade pelo pertencimento surge de uma razão social: um funcionamento grupal bem sucedido requer uma interação motivada. Desde crianças procuramos nos afiliar com outros e formar laços duradouros, e quando somos privadas disso são geradas consequências negativas no bem-estar [25].

Pertencer a um grupose relaciona diretamente com a percepção de bondade emanada do mesmo, mas também de seus membros na individualidade, como mostram estudos com crianças em idade escolar [26]. Ainda nesse sentido, estudos com minorias étnicas turcas e bélgico-marroquinas revelaram que minorias que experienciaram maior contato com novos grupos e com menos desigualdade no tratamento apresentaram maior sentimento de pertencimento, destacando também a importância do respeito nessa característica [27].

Gratidão não apenas como produto, mas também como fator das relações interpessoais

Passado por todos esses pontos essenciais na construção e manutenção de relações, nos vem na cabeça um sentimento que muitas vezes enxergamos como um resultado de interações significativas: a gratidão. Entretanto, ela pode ser também um fator que influencia nesse estabelecimento, como um sistema de feedback. Mostrar gratidão é um preditor de satisfação em relacionamentos, bem como do humor [28]. Assim como outros sentimentos de valência positiva, ser grato pelos que estão ao seu redor e pelas relações que cultiva é um ótimo jeito de estreitar esses laços.

Referências

[1] Holt-Lunstad J. Why Social Relationships Are Important for Physical Health: A Systems Approach to Understanding and Modifying Risk and Protection. Annu Rev Psychol. 2018 Jan 4;69:437-458. doi: 10.1146/annurev-psych-122216-011902. Epub 2017 Oct 16. PMID: 29035688.

[2] Hirst W, Echterhoff G. More to episodic memory than epistemic assertion: The role of social bonds and interpersonal connection. Behav Brain Sci. 2018 Jan;41:e17. doi: 10.1017/S0140525X17001388. PMID: 29353571.]

[3] Holt-Lunstad J. Fostering Social Connection in the Workplace. Am J Health Promot. 2018 Jun;32(5):1307-1312. doi: 10.1177/0890117118776735a. PMID: 29972035.

[4] Gillespie M. Student-teacher connection: a place of possibility. J Adv Nurs. 2005 Oct;52(2):211-9. doi: 10.1111/j.1365-2648.2005.03581.x. PMID: 16164482.

[5] Baum SM, Critcher CR. The costs of not disclosing. Curr Opin Psychol. 2020 Feb;31:72-75. doi: 10.1016/j.copsyc.2019.08.012. Epub 2019 Aug 22. PMID: 31522109.

[6] Kim S, Liu PJ, Min KE. Reminder avoidance: Why people hesitate to disclose their insecurities to friends. J Pers Soc Psychol. 2021 Jul;121(1):59-75. doi: 10.1037/pspi0000330. Epub 2020 Jul 27. PMID: 32718167.

[7] Doron G, Szepsenwol O, Karp E, Gal N. Obsessing about intimate-relationships: testing the double relationship-vulnerability hypothesis. J Behav Ther Exp Psychiatry. 2013 Dec;44(4):433-40. doi: 10.1016/j.jbtep.2013.05.003. Epub 2013 Jun 4. PMID: 23792752.

[8] Glocer Fiorini L. Intersubjectivity, otherness, and thirdness: A necessary relationship. Int J Psychoanal. 2016 Aug;97(4):1095-104. doi: 10.1111/1745-8315.12432. Epub 2015 Oct 6. PMID: 26438037.

[9] Vogt DS, Colvin CR. Interpersonal orientation and the accuracy of personality judgments. J Pers. 2003 Apr;71(2):267-95. doi: 10.1111/1467-6494.7102005. PMID: 12693518.

[10] Cleary M, Lees D, Sayers J. Loyalty in the Workplace: Some Considerations for Mental Health Nurses. Issues Ment Health Nurs. 2018 Apr;39(4):366-368. doi: 10.1080/01612840.2018.1458470. PMID: 29668366.

[11] Huang IC, Du PL, Lin LS, Liu TY, Lin TF, Huang WC. The Effect of Perceived Value, Trust, and Commitment on Patient Loyalty in Taiwan. Inquiry. 2021 Jan-Dec;58:469580211007217. doi: 10.1177/00469580211007217. PMID: 33797289; PMCID: PMC8020221.

[12] Kumar A, Capraro V, Perc M. The evolution of trust and trustworthiness. J R Soc Interface. 2020 Aug;17(169):20200491. doi: 10.1098/rsif.2020.0491. Epub 2020 Aug 12. PMID: 32781937; PMCID: PMC7482572.

[13] Bellucci G, Park SQ. Honesty biases trustworthiness impressions. J Exp Psychol Gen. 2020 Aug;149(8):1567-1586. doi: 10.1037/xge0000730. Epub 2020 Jan 9. PMID: 31916837.

[14] Bellucci G, Molter F, Park SQ. Neural representations of honesty predict future trust behavior. Nat Commun. 2019 Nov 15;10(1):5184. doi: 10.1038/s41467-019-13261-8. PMID: 31729396; PMCID: PMC6858375.

[15] Levine EE, Roberts AR, Cohen TR. Difficult conversations: navigating the tension between honesty and benevolence. Curr Opin Psychol. 2020 Feb;31:38-43. doi: 10.1016/j.copsyc.2019.07.034. Epub 2019 Jul 21. PMID: 31446340.

[16] Sai L, Liu X, Li H, Compton BJ, Heyman GD. Promoting honesty through overheard conversations. Dev Psychol. 2020 Jun;56(6):1073-1079. doi: 10.1037/dev0000933. Epub 2020 Apr 20. PMID: 32309981.

[17] Janezic KA, Gallego A. Eliciting preferences for truth-telling in a survey of politicians. Proc Natl Acad Sci U S A. 2020 Sep 8;117(36):22002-22008. doi: 10.1073/pnas.2008144117. Epub 2020 Aug 24. PMID: 32839305; PMCID: PMC7486742.

[18] Simon B, Grabow H. To be respected and to respect: the challenge of mutual respect in intergroup relations. Br J Soc Psychol. 2014 Mar;53(1):39-53. doi: 10.1111/bjso.12019. Epub 2012 Dec 17. PMID: 24627991.

[19] Koskenniemi J, Leino-Kilpi H, Puukka P, Suhonen R. Respect and its associated factors as perceived by older patients. J Clin Nurs. 2019 Nov;28(21-22):3848-3857. doi: 10.1111/jocn.15013. Epub 2019 Aug 9. PMID: 31343091.

[20] Carlström R, Ek S, Gabrielsson S. ‘Treat me with respect’: transgender persons’ experiences of encounters with healthcare staff. Scand J Caring Sci. 2021 Jun;35(2):600-607. doi: 10.1111/scs.12876. Epub 2020 Jul 20. PMID: 33128475.

[21] Romano A, Saral AS, Wu J. Direct and indirect reciprocity among individuals and groups. Curr Opin Psychol. 2022 Feb;43:254-259. doi: 10.1016/j.copsyc.2021.08.003. Epub 2021 Aug 13. PMID: 34481332.

[22] Leimgruber KL. The developmental emergence of direct reciprocity and its influence on prosocial behavior. Curr Opin Psychol. 2018 Apr;20:122-126. doi: 10.1016/j.copsyc.2018.01.006. Epub 2018 Feb 14. PMID: 29486397.

[23] Mahar AL, Cobigo V, Stuart H. Conceptualizing belonging. Disabil Rehabil. 2013 Jun;35(12):1026-32. doi: 10.3109/09638288.2012.717584. Epub 2012 Oct 1. PMID: 23020179.

[24] Baumeister RF, Leary MR. The need to belong: desire for interpersonal attachments as a fundamental human motivation. Psychol Bull. 1995 May;117(3):497-529. PMID: 7777651.

[25] Over H. The origins of belonging: social motivation in infants and young children. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 2016 Jan 19;371(1686):20150072. doi: 10.1098/rstb.2015.0072. PMID: 26644591; PMCID: PMC4685518.

[26] Lee CJ, Huang J. The relations between students’ sense of school belonging, perceptions of school kindness and character strength of kindness. J Sch Psychol. 2021 Feb;84:95-108. doi: 10.1016/j.jsp.2020.12.001. Epub 2021 Jan 20. PMID: 33581773.

[27] Kende J, Baysu G, Van Laar C, Phalet K. Majority group belonging without minority group distancing? Minority experiences of intergroup contact and inequality. Br J Soc Psychol. 2021 Jan;60(1):121-145. doi: 10.1111/bjso.12382. Epub 2020 May 1. PMID: 32356393.

[28] Leong JLT, Chen SX, Fung HHL, Bond MH, Siu NYF, Zhu JY. Is Gratitude Always Beneficial to Interpersonal Relationships? The Interplay of Grateful Disposition, Grateful Mood, and Grateful Expression Among Married Couples. Pers Soc Psychol Bull. 2020 Jan;46(1):64-78. doi: 10.1177/0146167219842868. Epub 2019 May 3. PMID: 31046594.