fbpx
A Neurociência de Game of Thrones

Publicado originalmente em forbes.com

Timothy Broom é um autor fascinado sobre o modo que as histórias afetam as pessoas. Ele também é um grande fã de Game of Thrones e descobriu que se identifica com os Starks a medida que foi se aprofundando na história. E é isso que inspirou seu trabalho de doutorado: entender o que acontece no cérebro quando mergulhamos em uma história.

Recentemente, em um estudo publicado em fevereiro de 2021 pela Oxford Academy , Broom e seus colaboradores descobriram que quando as pessoas se “transformam” em um personagem fictício,  a mesma parte do cérebro que é utilizada para pensar em si própria é usada também para imaginar o seu personagem favorito.

Isso ajuda a explicar por que algumas pessoas podem ser transformadas pela ficção da mesma forma que outras são alteradas pela experiência pessoal.

“Para algumas pessoas, a ficção é uma chance de assumir novas identidades, de ver mundos pelos olhos dos outros e retornar dessas experiências transformadas”, disse Dylan Wagner, coautor do estudo e professor assistente de psicologia no estado de Ohio em um comunicado de imprensa .

Entrando na história

Para Broom, é fácil entender isso. “Adoro mergulhar em uma boa história, onde consigo ver o mundo a partir das  perspectivas das personagens, sentir o que elas sentem e querer que tenham sucesso em seus empreendimentos. Me senti triste depois de ler os capítulos do ‘Casamento Vermelho’, e sempre me surpreendo que uma história de ficção possa evocar reações emocionais tão fortes.”

Mas onde isso acontece no cérebro? De acordo com Wagner, “estudos anteriores descobriram que quando as pessoas vivenciam histórias como se fossem um dos personagens, uma conexão é feita com aquele personagem, e o personagem torna-se intimamente ligado a elas. Em nosso estudo, vemos evidências disso em seus cérebros”.

O cérebro e personagens fictícios

Este estudo é o primeiro a identificar a região do cérebro envolvida quando as pessoas criam um vínculo com um personagem fictício. Para fazer isso, os pesquisadores fizeram exames de ressonância magnética no cérebro de  19 fãs de Game of Thrones em três situações diferentes: enquanto eles estavam focados em si mesmos; enquanto estavam focados em nove de seus amigos; e enquanto estavam focados em nove personagens de Game of Thrones. Para os fãs, os personagens eram Bronn, Catelyn Stark, Cersei Lannister, Davos Seaworth, Jaime Lannister, Jon Snow, Petyr Baelish, Sandor Clegane e Ygritte.

 

“Escolher personagens de Game of Thrones foi muito bom porque existe uma gama de personagens que evocam reações diferentes em pessoas diferentes”, segundo Broom.

Mas, além dos exames de ressonância magnética, o outro elemento-chave do estudo foi avaliar os participantes  para ‘identificação dos traços de personalidade’. “Pessoas com alto nível de identificação de traços não são apenas absorvidas por uma história, mas também se conectam com um personagem em particular”, disse Broom no comunicado à imprensa. “Eles contam que estão pensando o que o personagem está pensando, eles estão sentindo o que o personagem está sentindo. Eles estão habitando aquele personagem.”

Nos exames de ressonância magnética (que localizam a atividade cerebral seguindo o fluxo sanguíneo) descobriram que havia uma diferença fundamental entre os participantes do estudo com alto índice de identificação de traços de personalidade e aqueles que não possuíam esse índice tão alto. Especificamente, os exames mostraram diferenças no córtex pré-frontal ventromedial (CPFV), que pesquisas anteriores mostraram ser muito importantes quando as pessoas pensam sobre si mesmas.

Verificando os resultados

No estudo, quando as pessoas que não possuíam um índice de identificação de traços de personalidade tão alto estavam pensando em si mesmas, seu CPFV mostrou muita atividade. Ainda era ativo, mas menos quando pensavam em amigos, e era muito menos ativo quando consideravam os personagens de Game of Thrones.

Mas os resultados dos exames pareciam muito diferentes nos participantes do estudo que tinham alto índice de identificação de traços. Para este grupo, o CPFMV foi surpreendentemente ativo quando pensaram nos personagens fictícios. E quando pensavam sobre seu personagem favorito ou aquele de quem se sentiam mais próximos, o CPFMV mostrou ainda mais atividade.

Ficção e eu

Tudo isso significa que esse tipo de identificação com personagens fictícios está acontecendo no mesmo lugar onde nos identificamos conosco.

“O que estamos mostrando no estudo é a evidência neural de que as pessoas que habitam a perspectiva psicológica de primeira pessoa dos personagens internalizam essas experiências”, disse Broom.

“Uma das coisas que acho bastante surpreendentes é que os participantes do estudo estão trazendo esses personagens à mente muito depois de a experiência narrativa ter acabado, e ainda assim encontramos evidências dessa conexão com o self.”

As descobertas fornecem uma base científica para o poder transformador da ficção. A contação de histórias já foi aplicada em ambientes terapêuticos para ajudar as pessoas, e essas descobertas podem incentivar ainda mais essas aplicações.

Mas o mais importante de tudo: se você sempre fica impressionado com eventos como a Comic Con, pode parar de se perguntar para que ela serve.


Fonte: forbes.com