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O papel central da memória e aprendizagem na educação

Memória e aprendizagem são a espinha dorsal de uma educação significativa. Imagine o cérebro como um repositório dinâmico, onde cada experiência é um bloco de construção crucial para o conhecimento. Professores desempenham um papel vital nesse processo, guiando os alunos na construção de suas próprias bases cognitivas.

Ao longo do texto do blog de hoje, exploraremos os mecanismos intricados que transformam informações em recordações duradouras. A neurobiologia revela uma dança complexa entre células nervosas, dando enfoque para o papel central do hipocampo e outras áreas cerebrais. No entanto, nosso objetivo é ir além das estruturas físicas e abraçar o holismo da memória, onde a interconexão de várias regiões cerebrais é essencial para o aprendizado significativo.

Assim, objetivamos abraçar não apenas os processos da memória e aprendizagem, mas também sua importância prática. Ao entender a base científica desses processos, os professores ganham ferramentas valiosas para aprimorar suas práticas educacionais. Vamos então explorar o ponto onde a ciência encontra a sala de aula.

Explorando os mecanismos celulares e moleculares da memória e aprendizagem

Sinapses e neurotransmissores

Se você já pegou algum material de neurociência, com certeza já se deparou com estes dois termos, muitas vezes avessos por não terem uma explicação. Assim, imagine as sinapses como pequenos espaços que conectam os neurônios, permitindo a comunicação entre eles. Essas conexões são pontes elétricas, onde os neurotransmissores, mensageiros especializados, podem desempenhar um papel crucial.

A princípio, a comunicação mais simples entre dois neurônio envolve apenas a passagem de corrente elétrica de um para o outro de forma direta. Entretanto, grande parte das conexões em nosso sistema nervoso precisaram desenvolver um mecanismo mais elaborado que permitisse a modulação dessa mensagem, e assim começamos a falar de neurotransmissores. 

Quando um neurônio quer “falar” com outro, ele libera neurotransmissores na sinapse. Esses mensageiros atravessam a lacuna sináptica, alcançando o neurônio receptor do outro lado. É como passar uma mensagem de mão em mão para transmitir informação. Os neurotransmissores, conversando com a célula pós-sináptica, permitem que essa abra seus canais para que então a informação (a corrente elétrica) possa passar para o próximo neurônio.

Neurônios e neuroplasticidade na formação de memórias

Os neurônios não são células estáticas e imutáveis, e essa sua maleabilidade, conhecida como neuroplasticidade, é a chave para a formação de memórias. A neuroplasticidade nada mais é do que a capacidade do cérebro de remodelar suas conexões, a nível dendrítico e então sistêmico, em resposta à experiência. Essa capacidade é crucial para aprender e lembrar.

Essas “espinhas” dendríticas são pequenas protuberâncias nos dendritos onde as sinapses ocorrem. À medida que aprendemos, o cérebro responde criando mais dessas espinhas dendríticas, dando origem a eventos notáveis na neuroplasticidade que são a LTP (Potenciação de Longo Prazo) e LTD (Depressão de Longo Prazo). Quando um neurônio envia sinais repetidos para outro, as sinapses entre eles podem fortalecer-se, criando memórias duradouras (LTP) através da formação de mais sinapses entre eles, fortalecendo o traço de memória. Por outro lado, se os sinais são menos frequentes, as sinapses podem enfraquecer, permitindo que informações menos relevantes se desvaneçam (LTD). Essa dinâmica intricada entre neurônios, através de suas sinapses e neurotransmissores forma a base molecular da memória.

Assim, imagine essas novas espinhas dendríticas como os registros físicos das nossas experiências. Cada uma delas é uma marca deixada pelo aprendizado. Quanto mais densa a rede de espinhas, mais robusto o traço de memória. É como se, ao aprendermos algo novo, estivéssemos construindo uma estrutura mais complexa e rica em detalhes em nosso jardim cerebral.

Estruturas envolvidas na memória: uma abordagem holística

Hipocampo: uma janela para a história

O hipocampo é uma importante estrutura quando nos referimos aos processos de memória e aprendizagem, não apenas por ser um dos principais substratos para essas funções, mas também pelo seu papel histórico na descoberta de diversas funções cognitivas. Com o formato de um cavalo-marinho (e, por isso, este nome), este pequeno mas poderoso órgão é frequentemente apontado como o maestro na formação de novas memórias. Sua função é como a de uma câmera: ele grava eventos e situações, ajudando-nos a lembrar do “o quê”, “quando” e “onde” de nossas experiências. Além disso, atua como um índice que nos ajuda a recuperar onde nossas memórias estão guardadas no cérebro, uma vez que com o tempo, elas tendem a ser armazenadas em outros locais.

Mas, enquanto o hipocampo pode ser um dos substratos iniciais da memória, ele não está sozinho. Outras regiões cerebrais entram em cena, cada uma com seu papel único e valioso.

Redes cerebrais: uma orquestra de conexões

Como podemos imaginar, para funções cada vez mais complexas, mais complexas também serão as maquinarias cerebrais usadas para tal. Assim, imagine a memória como uma sinfonia, onde diferentes instrumentos (regiões cerebrais) contribuem para a harmonia geral. O córtex cerebral, a camada externa do cérebro, é como o maestro que interpreta e dá significado às informações.

Enquanto o hipocampo está ocupado com o registro inicial, o córtex é um dos principais responsáveis pelo armazenamento a longo prazo. Cada área do córtex tem sua especialidade: o lobo temporal lida com rostos e lugares, o lobo parietal com sensações e movimento, o lobo frontal com decisões e planejamento. Ainda, é fundamental compreender que a memória não é uma função isolada dessas estruturas, mas sim um processo distribuído. O trabalha cérebro como uma rede, onde diferentes regiões desempenham papéis variados e que precisam ser integrados par atribuir um significado completo. O hipocampo pode iniciar a gravação, mas é o córtex que armazena e recupera informações de maneira mais duradoura.

Assim, é a colaboração entre as regiões que proporciona a riqueza da memória. Ao adotar uma perspectiva holística, reconhecemos que cada parte contribui para o todo, como peças de um quebra-cabeça que se unem para formar uma imagem completa.

Além disso, as amígdalas, duas pequenas estruturas em forma de amêndoa, são vitais para atribuir significado emocional às memórias. Se uma experiência é agradável, as amígdalas ajudam a colorir essa lembrança com emoções positivas. Se é estressante ou ameaçadora, as amígdalas alertam o cérebro para estar preparado. E são essas emoções que são capazes de tornar estas memórias mais fortes e relevantes na ativação fisiológica do nosso corpo.

Um por todos, e todos por um

É importante destacar que, individualmente, nenhuma estrutura cerebral é suficiente para abarcar a complexidade da memória. O hipocampo, por exemplo, é como a primeira linha de um poema; essencial, mas não suficiente para contar a história inteira. O córtex, por sua vez, é como as estrofes que se desenvolvem e dão profundidade ao poema. A verdadeira magia ocorre quando essas partes se interconectam, formando uma narrativa única. Ao evitar o localizacionismo, percebemos que não existe um “centro da memória” no cérebro. Em vez disso, é a interação dinâmica entre várias áreas que cria a experiência rica e multifacetada que chamamos de memória. Não é apenas armazenamento de fatos, mas uma teia de conexões que se estendem por várias regiões do cérebro.

Aprendizagem na sala de aula e além dela

Tipos de aprendizagem

A aprendizagem se estende muito além dos limites da sala de aula, abraçando os corredores da experiência cotidiana. Enquanto as aulas fornecem alicerce, é nas interações diárias, nas explorações pessoais e nas conexões emocionais que a verdadeira magia do conhecimento floresce. Desta maneira, vamos explorar agora as facetas do aprendizado, desde os diferentes tipos de aprendizagem até a influência da plasticidade que já vimos em diversas arenas da vida. Afinal, a sala de aula é apenas o ponto de partida; a verdadeira aprendizagem ocorre quando desdobramos as asas do entendimento e voamos para os vastos horizontes do saber.

  • Aprendizagem declarativa e procedimental: A aprendizagem declarativa é como um catálogo de fatos e eventos. É onde armazenamos informações conscientemente, como datas históricas ou fórmulas matemáticas. Por outro lado, a aprendizagem procedimental está mais relacionada às habilidades e procedimentos. Aprender a andar de bicicleta é um exemplo clássico, onde as ações tornam-se automáticas com a prática.
  • Aprendizagem associativa e não-associativa: A aprendizagem associativa é baseada na formação de conexões entre estímulos e respostas, enquanto a segunda é mais sobre aprender com as consequências das ações, sem depender diretamente de associações específicas.

Recentemente, o livro “É Assim que Aprendemos – Por que o Cérebro Funciona Melhor do Que Qualquer Máquina (Ainda…)”, de Stanislas Dehaene, lança luz sobre essas nuances, explorando como o cérebro humano supera as máquinas em termos de flexibilidade e adaptabilidade no processo de aprendizagem. Ele destaca que nossa capacidade de aprender não se limita a padrões fixos, mas sim se adapta a diferentes situações e contextos.

Desmentindo os ”estilos de aprendizagem”: combate a proliferação de neuromitos

Embora muitos tenham ouvido falar de “estilos de aprendizagem” – a ideia de que as pessoas têm preferências distintas na forma como absorvem informações, como visuais, auditivas ou cinestésicas –, é importante notar que essa concepção é amplamente considerada um neuromito.

Estudos científicos têm questionado a validade desses “estilos” e destacam que a abordagem única de ensino não é a solução. O cérebro é incrivelmente flexível, capaz de se adaptar a diferentes métodos de aprendizagem. Portanto, ao invés de nos apegarmos a categorias fixas, devemos explorar a diversidade de métodos e abordagens, permitindo que os alunos desenvolvam habilidades em várias frentes.

Desvendar esses mitos é crucial para promover uma educação mais eficaz e inclusiva, reconhecendo a complexidade da mente humana e sua capacidade de se moldar às demandas variadas da aprendizagem.

Plasticidade: uma adaptação contínua e de repetição

A adaptabilidade permitida pela plasticidade é evidente em todas as fases da vida, mas é especialmente proeminente durante a infância e a adolescência. Quando somos expostos a novas informações e experiências, as sinapses se fortalecem e novos caminhos são criados.

As experiências moldam a estrutura do cérebro, criando uma trama rica e complexa de conexões. Imagine o cérebro como um jardim em constante crescimento, onde cada experiência é como uma semente que floresce em novas sinapses e neurônios. Enquanto a experiência planta essas sementes, é a repetição que irriga e nutre o jardim cerebral. A repetição é fundamental para consolidar o conhecimento, transformando sinapses temporárias em estruturas mais duradouras. É como praticar um instrumento musical; quanto mais tocamos, mais familiarizados e habilidosos nos tornamos.

A repetição fortalece as conexões sinápticas, facilitando a recuperação e a aplicação do conhecimento. É o processo pelo qual as informações se movem do estado transitório para o estado de memória duradoura. Portanto, ao planejar métodos de ensino, é essencial incorporar práticas repetitivas que reforcem e solidifiquem o aprendizado.

Nossa capacidade de aprender é um equilíbrio entre exposição constante a novas informações e a prática regular para fortalecer essas conexões.

Estratégias para estimular a memória

Desbravar o terreno da neurociência na prática educacional é transformar conceitos complexos em estratégias tangíveis para potencializar a aprendizagem dos alunos. Aqui, destacamos algumas estratégias cientificamente comprovadas para estimular a memória na sala de aula.

  • Recursos visuais: A visão é um dos nossos sentidos mais poderosos, e os recursos visuais desempenham um papel crucial na consolidação da memória. Incorporar gráficos, diagramas, e infográficos nas apresentações não só torna o conteúdo mais acessível, mas também fornece uma âncora visual para a informação. Esta prática aproveita a preferência do cérebro por processar informações visuais de maneira rápida e eficaz, tornando o aprendizado mais envolvente e memorável.
  • Storytelling: Contar histórias é uma forma ancestral e poderosa de transmitir conhecimento. A neurociência respalda essa prática, pois o cérebro é inerentemente inclinado a gravar e lembrar narrativas. Ao incorporar storytelling no processo de ensino, os professores não apenas cativam a atenção dos alunos, mas também ativam diversas áreas cerebrais, tornando a informação mais relevante e memorável, deixando de ser apenas uma memória semântica e englobando também aspectos declarativos. Cada história se torna uma jornada emocional que grava profundamente os detalhes na mente dos aprendizes.
  • Contextualização: Conectar novos conhecimentos ao que os alunos já sabem é uma estratégia eficaz para fortalecer as sinapses e facilitar a retenção. A contextualização permite que o cérebro construa pontes entre conceitos, criando uma teia de associações que sustenta a memória a longo prazo. Ao incorporar contextos familiares e relevantes para a vida dos alunos, os professores proporcionam uma âncora sólida para o aprendizado, tornando-o mais significativo e duradouro.

Ao implementar essas estratégias, os professores não apenas alinham suas práticas com os princípios da neurociência, mas também cultivam ambientes de aprendizagem ricos, onde a memória é nutrida de maneira eficaz e envolvente. 

O papel ativo e protagônico dos alunos

Envolvimento ativo: transformando alunos em co-criadores do conhecimento

O envolvimento ativo vai além da simples absorção de informações; é a participação ativa dos alunos na construção do seu próprio entendimento. Estratégias como debates, projetos práticos, e discussões em grupo não apenas estimulam a reflexão crítica, mas também fortalecem as conexões neurais relacionadas ao aprendizado. A participação ativa não só ativa áreas do cérebro relacionadas ao processamento de informações, mas também reforça a retenção de conhecimento.

Protagonismo do aluno: de espectador a construtor do saber

Colocar os alunos no centro do processo educacional significa conceder a eles papel de protagonistas na própria aprendizagem. Permitir que escolham tópicos de interesse, definam metas de aprendizagem e proponham soluções para desafios cultivam não apenas conhecimento, mas também habilidades valiosas como autodisciplina e responsabilidade. Esse protagonismo não só torna a aprendizagem mais personalizada, mas também se relaciona a técnicas de motivação e recompensa, fortalecendo o comprometimento com o processo educacional.

Métodos de ensino complementares: reconhecendo a diversidade de aprendizagem

Cada aluno é único, e reconhecer a diversidade de estilos de aprendizagem (os que realmente existem e não são neuromitos) é fundamental para o sucesso educacional. A neurociência respalda a ideia de que diferentes métodos de ensino proporcionam uma abordagem holística da aprendizagem . Integrar aulas expositivas, atividades práticas, tecnologia educacional e discussões em sala de aula cria um ambiente educacional enriquecido, atendendo às diversas necessidades e preferências de aprendizagem dos alunos.

A arte do ensino e a construção da mente

Neste mergulho na complexidade da memória e aprendizagem, torna-se claro que os educadores desempenham um papel vital na construção da arquitetura da mente de seus alunos. Cada estratégia, cada história contada, e cada esforço para envolver ativamente os alunos contribui para a tessitura da experiência de aprendizagem.

A neurociência pode até nos revelar os mecanismos por trás da memória e aprendizagem, mas é nas mãos habilidosas dos professores que esses conceitos se transformam em experiências significativas. Nossa gratidão se estende aos professores, cujo trabalho incansável vai além da sala de aula, deixando uma marca indelével nas mentes e corações de seus alunos. Em reconhecimento ao seu papel essencial na formação das gerações futuras, expressamos nosso profundo agradecimento. Que cada professor seja lembrado não apenas como transmissor de conhecimento, mas como um arquiteto da mente, moldando o futuro com cada lição ensinada e cada aprendizado compartilhado.

Recursos adicionais para professores interessados em neurociência educacional:

  • Leia o livro “É assim que aprendemos – por que o cérebro funciona melhor do que qualquer máquina (ainda)”, de Stanislas Dehaene.
  • Acesse o site da Dana Foundation (dana.org) para recursos e artigos sobre neurociência educacional.
  • Ouça podcasts educacionais que abordam temas de neurociência, como “Brain Matters” ou “The Neuroscience Education Institute Podcast”.

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