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Explorando a fascinante Propriocepção

Uma janela para a percepção do corpo

Explore um aspecto fascinante do funcionamento do corpo humano: a propriocepção, o segredo por trás de cada salto, cada passo firme e cada gesto preciso. Descubra como nosso sistema nervoso trabalha em harmonia com os demais tecidos para nos fornecer uma percepção precisa do nosso corpo e do espaço ao nosso redor. Em nosso texto semanal do blog Conectomus, mergulhe em uma jornada de descoberta sobre este sentido, que nos permite realizar movimentos coordenados, manter o equilíbrio e ter uma consciência corporal única. Prepare-se para aprender como a propriocepção desempenha um papel fundamental em nossa vida cotidiana.

Uma brincadeira ilustrativa

Introduzimos o tema de propriocepção para vocês leitores, mas sem abordar seus pormenores. Afinal, você sabe o que é propriocepção? Que tal fazermos uma brincadeira simples, de duas partes, para ilustrar?

Na primeira, estenda seus braços junto ao corpo, e então leve o seu indicador à ponta do seu nariz. Pronto, é isso, acabou a primeira parte. Você sabe dizer quais dicas perceptuais usou para promover essa ação? Certo, sua visão. Talvez até seu olfato caso tenha passado algum creme na mão. Mas principalmente foi o seu olhar que conduziu a ação para que seu dedo chegasse ao local desejado. Mas, e se você não tivesse esse sentido, será que conseguiria promover essa ação? Vamos testar isso na parte dois!

Agora, vamos deixar as coisas mais difíceis. Novamente, estenda seus braços junto ao corpo, e dessa vez feche os olhos. Então, prossiga para levar o seu indicador à ponta do nariz. Você também é capaz de realizar essa tarefa, certo? Em outras partes do corpo também? Mas então, mesmo sem o seu principal guia (a visão) para te auxiliar, como você foi capaz disso? É aqui que entra a propriocepção.

Definindo a propriocepção

O termo propriocepção foi cunhado pelo fisiologista Charles Sherrington, Nobel de Medicina que estabeleceu a natureza dos nossos reflexos como dependentes de nossa capacidade de percepção da gravidade e da posição dos objetos no ambiente a nossa volta. Também chamada de cinestesia, é um aspecto vital da percepção humana, que nos permite ter consciência da posição, movimento e orientação do nosso próprio corpo, mesmo sem usar a visão. É através da propriocepção que podemos realizar atividades complexas, como caminhar, correr, pegar objetos e equilibrar-nos. Mas também de atividades simples, como dormir sem cair da cama, sem precisar constantemente olhar para nossos membros ou para o ambiente ao nosso redor.

Leia “Por que não caímos da cama quando estamos dormindo?” da BBC News.

Os receptores especializados neste processo, chamados de receptores proprioceptivos, estão localizados nos músculos, tendões, articulações e tecidos conectivos do corpo. Eles captam informações sensoriais, como a tensão muscular, a posição das articulações e o alongamento dos tendões, e enviam esses sinais ao sistema nervoso central. Cria-se assim uma representação interna do corpo e monitora-se sua posição e movimento. Com base nessa informação, o cérebro é capaz de ajustar e coordenar os movimentos do corpo de forma precisa e eficiente.

A integração de diversos sistemas

Além das fibras sensoriais que encaminham o sinal elétrico convertido pelos proprioceptores, a propriocepção trabalha em sinergia com demais sistemas. A visão, o tato, e o sistema vestibular nos auxiliam detectar e interpretar os movimentos e a posição do corpo em relação à gravidade. O sistema vestibular, localizado nos ouvidos internos, é responsável por detectar os movimentos lineares e rotacionais da cabeça. Essa informação é encaminhada para o vestibulocerebelo, uma divisão funcional do nosso cerebelo que processa esses sinais e ajuda a ajustar os músculos e as articulações para manter o equilíbrio e a postura corretos.

Além disso, a propriocepção colabora com outros sistemas, como o sistema visual e o sistema somatossensorial, para garantir uma informação sensorial integrada. O sistema visual fornece informações sobre a posição relativa dos objetos no ambiente. Já o sistema somatossensorial, composto por receptores táteis e sensoriais da pele, músculos e articulações, transmite informações detalhadas sobre a pressão, por exemplo. Essas informações sensoriais de diferentes sistemas são processadas e integradas em regiões cerebrais, como o córtex parietal, permitindo que tenhamos uma percepção consciente e precisa de nosso corpo, seus movimentos e ajustes finos necessários para realizar tarefas motoras complexas com facilidade e precisão.

Ainda, a propriocepção também está intimamente ligada à percepção da dor. Uma vez que ocorre uma lesão ou um estímulo nocivo, os nociceptores presentes nos tecidos enviam sinais ao sistema nervoso central, alertando-nos sobre a presença de dor ou desconforto, para que nosso corpo possa tomar ação sobre esta situação, promovendo o balanço corporal do reflexo de retirada, por exemplo.

Seria então a propriocepção o nosso “sexto sentido”?

Algumas pessoas podem então se surpreender e pensar que temos então um sentido a mais que antes não era tão discutido. Entretanto, alguns fatores entram em consideração aqui para que tenhamos cuidado ao definir a propriocepção como um “sexto sentido”.

O primeiro de todos é o próprio uso do termo “sexto sentido”. Este usualmente se refere a uma capacidade sobrenatural que temos de perceber as coisas acontecendo ao nosso redor mesmo sem pistas sensoriais.

Além disso, temos que levar em consideração que, ao contrário da crença popular, nós não temos apenas 5 sentidos. O tato mesmo pode se desdobrar em percepção de dor, temperatura, vibração, coceira, cada um com seus receptores específicos. Junto a essa noção, podemos também juntar à propriocepção o sentido de interocepção. Essa, assim como a primeira, também é responsável pela informação do estado das coisas, mas aqui é a representação do estado interno dos nossos órgãos, e não da nossa relação com o que está fora do nosso corpo. Como a interação entre nossos órgãos e nosso cérebro é importantíssima para a manutenção do estado de equilíbrio que garante nossa sobrevivência, podemos hipotetizar que estes dois, apesar de pouco conhecidos, são dos sentidos mais importantes para nós.

Leia “Temos 7 sentidos” da BBC News.

Aplicações em outros campos: da educação a reabilitação motora

Inteligências múltiplas e a inteligência corporal-cinestésica

Sabemos que nas escolas de todo o mundo, um aluno considerado como “inteligente” é aquele aluno que tem um bom sucesso acadêmico relacionado às suas habilidades científicas, matemáticas ou até mesmo linguísticas, com a repetição mecânica de conhecimentos passados pelos professores. Entretanto, essa é apenas uma parte do espectro de inteligências. Hoje já sabemos que outros tipos de inteligência, relacionadas com outros parâmetros, como habilidades artísticas, de comunicação, e corporais, estão tomando conta dos modelos educacionais mais progressistas, e se baseiam sobretudo nos modelos de ensino e aprendizagem sensoriais.

Assim, de acordo com a teoria das múltiplas inteligências, o desenvolvimento da propriocepção também pode ser encarado como um tipo de inteligência, a chamada Inteligência Corporal-Cinestésica. Esta se relaciona com as habilidades desenvolvidas por atletas e artistas para coordenar movimentos precisos necessários para a execução de suas técnicas. 

Uma das técnicas frequentemente utilizadas para o desenvolvimento da cinestesia é o uso de vendas. Assim, a ausência da visão os leva a se concentrarem na percepção corporal. Outro recurso comumente utilizado é a colocação de um ou mais espelhos ao redor do aluno durante os exercícios, ou a gravação do treinamento em vídeo. Isso ajuda e servir como um feedback sobre a execução dos movimentos.

Os impactos motores que a cinestesia pode proporcionar

A compreensão e o aprimoramento da propriocepção possuem aplicações significativas em diversos campos, incluindo reabilitação física, esportes, medicina esportiva e dança. Através de exercícios direcionados e técnicas de treinamento apropriadas, é possível aprimorar a consciência corporal, a estabilidade e a coordenação, resultando em um melhor desempenho físico e uma redução do risco de lesões. Ao desenvolver a propriocepção, os indivíduos podem alcançar uma maior precisão nos movimentos, uma melhor adaptabilidade aos desafios físicos e uma maior eficiência nos gestos técnicos específicos de cada atividade. 

Esse aprimoramento é especialmente valioso para atletas, pacientes em processo de reabilitação e dançarinos, que dependem de um controle corporal preciso e habilidades de movimento refinadas para alcançar seus objetivos. A incorporação de programas de treinamento e exercícios voltados para a propriocepção pode trazer benefícios significativos para o desempenho esportivo, recuperação física e expressão artística.

Aprofundando na neurobiologia da propriocepção

Caso você tenha interesse em saber com um pouco mais de detalhes sobre os mecanismos que garantem este nosso “sexto sentido”, essa seção é para você. 

Os receptores proprioceptivos, como os fusos musculares, os órgãos tendinosos de Golgi e os receptores articulares, são responsáveis por detectar informações sensoriais relacionadas à posição, movimento e tensão muscular. Esses receptores convertem essas informações em sinais elétricos, que são transmitidos para a medula espinhal e o cérebro através de fibras nervosas sensoriais. Na medula espinhal, os sinais proprioceptivos são processados por várias vias sensoriais. As vias espinocerebelares transmitem informações sobre a posição das articulações e os padrões de movimento para o cerebelo, que desempenha um papel crucial na coordenação motora e no controle postural.

Referências

Sherrington, C. S. (1906). The integrative action of the nervous system. Yale University Press. https://doi.org/10.1037/13798-000

Kandel, E., Schwartz, J., & Jessel, T. et al. (2014). Princípios de Neurociências (5th ed.). Capítulo 22. Grupo A.