O que fazer e o que não fazer ao se relacionar
Interagir com outras pessoas faz parte do nosso cotidiano. Seja com colegas no trabalho, em casa com parentes, na universidade com professores ou até mesmo em uma mesa de bar com amigos. Cada indivíduo com quem você interage possui uma particularidade no jeito de se relacionar. Entretanto, existem máximas que se estabelecem para todos, e práticas que ajudam a estreitar os laços. Vamos olhar para alguns desses casos?
As linguagens do amor e sua função no fortalecimento das relações
Se você já procurou na internet em algum momento sobre amizade, afeto ou amor, com certeza já se deparou com uma noção bem difundida de que temos jeitos preferenciais de receber e expressar essas características. Chapman, autor original dessa teoria, define cinco distintas preferências e tendências nas formas de expressar e receber: por meio de atos de serviço, toque físico, palavras de afirmação, tempo de qualidade e por presentes [1]. Uma pesquisa conduzida com parceiros amorosos revelou que há uma forte correlação entre sintonia no tipo de linguagem como preditor de satisfação no relacionamento [2].
Para entender a importância desses sentimentos em comportamentos relacionados à interações interpessoais, podemos olhar para indivíduos que apresentam uma dificuldade nessa questão: pessoas diagnosticadas com distúrbio de personalidade antissocial. Diversas pesquisas apontam que estes indivíduos possuem dificuldade em demonstrar afeto, sendo que uma pesquisa qualitativa indicou que estes são capazes de descrever o sentimento, mas são mais concentrados em si mesmos do que os demais [3].
Dentre todos os tipos de ação que podem se enquadrar nessas formas de expressão de amor e afeto, podemos explorar duas que são socialmente relevantes.
A fofoca realmente edifica?
Uma atividade amplamente presente no nosso cotidiano e que é por muitos mal dita é a troca de informações sobre o outro que se encontra ausente: o que chamamos de fofoca. Isso porque as noções que temos é de que essa é responsável por destruir laços, espalhar inverdades, e causar desconfiança. Entretanto, novos estudos indicam que a fofoca provê informações úteis sobre os outros, facilitando cooperação e afinidade social, além de indicar que as pessoas confiam mais na fofoca do que numa observação direta [4].
Essa nova conceitualização sobre a fofoca, trazendo para luz seus benefícios e não apenas noções negativas, ajuda a ressaltar as virtudes causadas por este comportamento. Por meio da promoção de um sistema de reputação, usamos a fofoca para proteger outros de comportamentos antissociais ou exploratórios. Assim,indivíduos que apresentam maiores noções pró-sociais são os que mais se engajam na fofoca. Além disso, é capaz de diminuir comportamentos egoístas e promover a cooperação [5]. Isso porque muitas vezes os alvos de tal ato muitas vezes o antecipam, sendo que a experiência negativa não é experimentada pelo compartilhamento da informação em si, por conta da interdependência com os promotores e da acurácia da informação [6].
Por ser um produto da linguagem, característica pivotal na socialização, a informação social adquirida através dela auxilia no processo de aprendizado, influenciando no comportamento futuro a na formação de novas impressões, além de construir laços mais fortes entre os que fazem essa troca [7].
Assim, pode-se argumentar que fofocar com seus amigos é um comportamento saudável na construção (e edificação) de relacionamentos. Entretanto, é bom reconhecer os limites no que se refere aos terceiros, tomando cuidado para não ferir aos demais.
Conquistando pela barriga
Outra ação pela qual demonstramos carinho, pelo menos em culturas como a nossa aqui no Brasil, é pela oferta de comida, o famoso “lanche”. Em diversas ocasiões em nossa cultura, a comida é o centro de eventos sociais, ou pelo menos um fator de socialização. Associamos oferecer e compartilhar comida com uma forma de aproximação entre as pessoas, e facilita a formação e fortalecimento de laços. Assim, associamos evitar comportamentos de compartilhamento de comida com a evitação de vínculos, e a preferência por alguns tipos de comida influencia a formação de novos vínculos. Além disso, a tendência de aceitar comida é associada com o tipo de vínculo que se tem [8].
De fato, comparando com o compartilhamento de outros materiais, compartilhar comida exerce uma influência mais positiva na intimidade e relação de confiança entre as partes. Não bastante, estar em grupos ou em momentos em que se está estabelecendo vínculos sociais, o tipo de comida preferido para o consumo é do tipo que compartilhamos entre os indivíduos. Assim, a noção de que existe uma influência do compartilhamento de comida nas relações interpessoais influencia nas escolhas apropriadas para isso [9].
O ato de compartilhar comida é feito principalmente para aqueles com os quais se entende como sendo pessoas mais pró-sociais, o que demonstra a influência dessa atitude na avaliação de indivíduos, além de auxiliar no entendimento da influência do comportamento alimentar na percepção social [10].
Assim, sair para comer com os amigos, compartilhar comida e comprar lanches se mostram como comportamentos pró-sociais, ou seja, que auxiliam na formação de conexões.
Compartilhando memes: como manter o contato?
Uma das maneiras pelas quais mais mantemos contato com as pessoas hoje em dia é pelo uso de redes sociais. Elas nos permitem estar sempre em proximidade com amigos que não conseguimos estar conectados presencialmente no dia a dia. E essa falta de proximidade física não reflete em uma falta de consideração. Um ótimo exemplo disso é o compartilhamento de imagens, tweets e memes quando lembramos de alguém.
Estudiosos argumentam que memes nada mais são que novos meios de nos expressarmos e construirmos valores, residindo neles uma forma de comunicação interpessoal [11]. Os usamos para criticar, satirizar, expressar humor e sugerir uma nova perspectiva sobre diversos assuntos. Pela sua fácil replicabilidade, garante-se uma coerência ao compartilhar com conhecidos [13]
Neles residem uma capacidade de aliviar a pressão por meio do uso do humor, se aliando a uma construção de uma nova identidade aos que os compartilham, reforçando assim laços, além de transmissão e preservação da cultura aliadas a essa identidade [12]. A razão pela qual se tornam tão virais e sentimos a necessidade de compartilhá-los é por eliciar em diferentes pessoas emoções parecidas: se sentimos alegria, queremos que alguém sinta também , estabelecendo assim relações harmoniosas.
Alguns estudos mostram, por exemplo, que pelo uso de mídia ser um meio de socialização entre pessoas mais jovens, memes ‘amorosos’ são capazes de influenciar na satisfação das relações, uma vez que influencia em suas crenças [14].
Lidando com o novo: as relações intergeracionais e diversidade
Em um mundo cada vez mais globalizado, o contato com o diferente é cada vez mais comum. Pode-se até mesmo hipotetizar que o diferente está se tornando tão comum, que em pouco tempo não será mais a exceção, e sim a regra. Redefinimos assim a noção da própria diferença. Essa diversidade que surge das singularidades humanas traz consigo novas experiências, que apesar da naturalidade das relações que surgem, podem acabar sendo desafiadoras para alguns. Lidar e interagir com o que é exterior a si, e talvez até mesmo inédito, requer habilidades de interação que precisamos estimular e desenvolver.
O trabalho conjunto para criar um ambiente inclusivo, no qual há um ambiente seguro para trabalhar, se relacionar e apenas ser, é um objetivo comunal. E essas novas conexões residem justamente na interação: examinar suas próprias suposições, bem como as necessidades do próximo através da comunicação, bem como reconhecer forças, prover suporte empático e promover autonomia são ações que promovem integração e afasta a alienação cultural e do diverso [15].
Essas discussões multiculturalistas estão tomando espaço nos mais diversos âmbitos da sociedade. Isso fomenta debates a respeito das relações interpessoais ao considerar fatores como diversidade demográfica, políticas públicas e crenças ideológicas. Nasce então uma noção de interculturalismo, que enfatiza a importância das trocas e interações entre pessoas de todas as origens, reconhecendo múltiplas identidades, reconhecendo as divergências mas focando nas semelhanças [16]. Inclusive, pesquisadores já demonstraram que o interculturalismo prediz boas relações entre grupos, melhorando confiança e colaboração, bem como reduz preconceitos e julgamentos [17].
Por último, mas não menos importante, um novo setor da diversidade que tem aumentado em representação reside nas diferenças intergeracionais. Com o progresso das civilizações, das tecnologias e da saúde, relações entre pessoas de idades diferentes têm se tornado cada vez mais comuns em todos os sentidos, modificando estruturas trabalhistas, familiares e na composição das redes de conexão [18].
Características a se evitar ao se relacionar
Não devemos apenas cultivar hábitos e desenvolver atitudes em nós mesmos relacionadas com as características aqui apresentadas para aprofundar nossas relações. Devemos também interromper ciclos que se tornam prejudiciais nesse estabelecimento inter relacional. Condutas como competitividade, narcisismo e rejeição são negativas quando falamos em sociabilidade.
Competir nem sempre é amistoso
Enquanto a competitividade apresenta um alto valor biológico na questão de procura de recursos, em comunidades sociais ela pode possuir um alto prejuízo. A necessidade de evitar inferioridade e vergonha que emergem dessa característica se relacionam com sintomas depressivos, ansiosos, estresse e auto-mutilação. Quando as pessoas se sentem inseguras em seus ambientes, característica que pode ser resultado de uma interação social baixa, pode gerar um medo de rejeição [19].
Olhar para si mesmo é bom, mas não em excesso
O narcisismo consiste em um esforço mal adaptativo de regular a si próprio, sendo caracterizado por grandiosidade e vulnerabilidade, e pesquisas apontam que este é associado com um mal funcionamento interpessoal [20].
Rejeição
Rejeição, quando exercida sobre a pessoa ou quando exercida por ela, também pode ser negativa, implicando diretamente sobre a noção de pertencimento. A aceitação aumenta nossas chances de sobrevivência, e por isso, desenvolvemos mecanismos neuropsicológicos que nos informa sobre essas noções de pertencimento. A partir desses processos emergem sentimentos de inveja, solidão, vergonha, culpa, ansiedade social, constrangimento, tristeza e até mesmo raiva [21].
Referências
[1] Chapman, G. D. (2010). The five love languages. Walker Large Print.
[2] Mostova O, Stolarski M, Matthews G. I love the way you love me: Responding to partner’s love language preferences boosts satisfaction in romantic heterosexual couples. PLoS One. 2022 Jun 22;17(6):e0269429. doi: 10.1371/journal.pone.0269429. PMID: 35731784; PMCID: PMC9216579.
[3] Gawda B. Language of love and hate of persons diagnosed with antisocial personality. Bull Soc Sci Med Grand Duche Luxemb. 2010;Spec No 1(1):157-65. PMID: 20653186.
[4] Huskey R. Gossip: More than just trash talk. Curr Biol. 2021 Jun 21;31(12):R783-R786. doi: 10.1016/j.cub.2021.04.048. PMID: 34157260.
[5] Feinberg M, Willer R, Stellar J, Keltner D. The virtues of gossip: reputational information sharing as prosocial behavior. J Pers Soc Psychol. 2012 May;102(5):1015-30. doi: 10.1037/a0026650. Epub 2012 Jan 9. PMID: 22229458.
[6] Nieper AS, Beersma B, Dijkstra MTM, van Kleef GA. When and why does gossip increase prosocial behavior? Curr Opin Psychol. 2022 Apr;44:315-320. doi: 10.1016/j.copsyc.2021.10.009. Epub 2021 Nov 12. PMID: 34875505.
[7] Jolly E, Chang LJ. Gossip drives vicarious learning and facilitates social connection. Curr Biol. 2021 Jun 21;31(12):2539-2549.e6. doi: 10.1016/j.cub.2021.03.090. Epub 2021 Apr 21. PMID: 33887186.
[8] Gregersen SC, Gillath O. How food brings us together: The ties between attachment and food behaviors. Appetite. 2020 Aug 1;151:104654. doi: 10.1016/j.appet.2020.104654. Epub 2020 Mar 9. PMID: 32165269.
[9] Wang C, Huang J, Wan X. A cross-cultural study of beliefs about the influence of food sharing on interpersonal relationships and food choices. Appetite. 2021 Jun 1;161:105129. doi: 10.1016/j.appet.2021.105129. Epub 2021 Feb 4. PMID: 33548349.
[10] Wang C, Huang J, Liao J, Wan X. Food Sharing With Choice: Influence on Social Evaluation. Front Psychol. 2020 Aug 25;11:2070. doi: 10.3389/fpsyg.2020.02070. PMID: 32982856; PMCID: PMC7477305.
[12] Deng, J. (2016). Language Memes in Chinese Blessing Texted Messages. Linguistica Atlantica, 34(2). Retrieved from https://journals.lib.unb.ca/index.php/la/article/view/24598
[13] Diah Kristina, Taufik Al Makmun, Sri Kusumo Habsari, Muhammad Thoyibi. Millennials’ Communication Style and Politeness Through Their Memes Using Multimodality Analytical Lens. Proceedings of the International Conference on Language Politeness (ICLP 2020). 17 May 2021. 978-94-6239-380-6. https://doi.org/10.2991/assehr.k.210514.007
[14]Gala, J., Ghadiyali, N.N. Romantic Memes and Beliefs: Influence on Relationship Satisfaction. Psychol Stud 65, 394–407 (2020). https://doi.org/10.1007/s12646-020-00585-5
[15] Vo T. Cultural alienation: A concept analysis. Nurs Forum. 2021 Jan;56(1):160-171. doi: 10.1111/nuf.12512. Epub 2020 Sep 25. PMID: 32976659.
[16] Verkuyten M, Yogeeswaran K. Cultural diversity and its implications for intergroup relations. Curr Opin Psychol. 2020 Apr;32:1-5. doi: 10.1016/j.copsyc.2019.06.010. Epub 2019 Jun 28. PMID: 31340192.
[17] Yogeeswaran, Kumar, Maykel Verkuyten, and Breanne Ealam. “A way forward? The impact of interculturalism on intergroup relations in culturally diverse nations.” Group Processes & Intergroup Relations 24.6 (2021): 945-965.
[18] Lowenstein A. Intergenerational family relations and social support. Z Gerontol Geriatr. 1999 Dec;32(6):398-406. doi: 10.1007/s003910050136. PMID: 10654377.
[19] Gilbert P, McEwan K, Bellew R, Mills A, Gale C. The dark side of competition: How competitive behaviour and striving to avoid inferiority are linked to depression, anxiety, stress and self-harm. Psychol Psychother. 2009 Jun;82(Pt 2):123-36. doi: 10.1348/147608308X379806. Epub 2008 Nov 26. PMID: 19040794.
[20] Dashineau SC, Edershile EA, Simms LJ, Wright AGC. Pathological narcissism and psychosocial functioning. Personal Disord. 2019 Sep;10(5):473-478. doi: 10.1037/per0000347. Epub 2019 Jul 1. PMID: 31259606; PMCID: PMC6710132.
[21] Leary MR. Emotional responses to interpersonal rejection. Dialogues Clin Neurosci. 2015 Dec;17(4):435-41. doi: 10.31887/DCNS.2015.17.4/mleary. PMID: 26869844; PMCID: PMC4734881.