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Toda ação tem uma reação: entendendo nossas emoções

Você já se perguntou em algum momento da sua vida porque evitar algumas reações emocionais é tão difícil? Por mais que nos esforcemos, quando passamos por situações extremas, sejam elas de alegria ou tristeza, conter nossas emoções é uma tarefa desafiadora: afinal, quem já não deixou um riso escapar numa hora inapropriada, ou então, deixou uma lágrima escorrer sem que ninguém percebesse? Entender o porquê desses processos é uma forma de autoconhecimento necessária para saber como nos posicionamos de forma natural no mundo, então vamos explorar esse tema mais a fundo com base em conhecimentos da neurociência!

O início da história – todos à bordo do Beagle

Se você leu a palavra “Beagle” num contexto náutico, já sabe qual a figura importante na história estamos nos referindo: ele mesmo, Charles Robert Darwin. O famoso naturalista britânico, a bordo do seu navio expedicionário que circundou o globo, foi uma das figuras mais proeminentes na história da biologia pelo seu legado na escrita da obra “Sobre a Origem das Espécies por meio da Seleção Natural” e consequente revolução no conceito de Evolução. O que muitos não sabem, entretanto, é que suas observações não se restringiram a plantas, geóides e animais: elas englobaram também observações humanas sobre comportamento e emoção. E é justamente aí que a nossa história começa.

Uma característica que permitiu a Darwin tocar na universalidade das emoções foi a extensão de sua viagem: ao passar por diferentes continentes (Europa, América do Sul, África e Oceania), o cientista pôde observar a expressão de diferentes povos e culturas, bem como o de sua tripulação, e foi capaz assim de notar como mesmo em civilizações distantes umas das outras, às vezes com pouca ou quase nenhuma influência externa, padrões se repetiam.

“A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais”

Na escrita de sua obra prima, Darwin então começou a dissertar sobre tal observação. Não suficiente, começou a observar esses padrões comportamentais também em animais, como cães e gatos, e como algumas reações eram semelhantes mesmo em espécies diferentes. Este capítulo foi ficando cada vez mais longo, a ponto que o autor decidiu separá-lo dos demais. Surgia assim então outra de suas publicações, entitulada de “A Expressão das Emoções nos Homens e nos Animais”, na qual descrevia a associação de emoções com comportamentos e reações fisiológicas específicas para cada uma delas, dentre elas, as expressões faciais.

O britânico explorava essas condições usando de gravuras para facilitar seu entendimento. Assim, um ponto que fez sua obra se destacar foi o estudo comparativo entre as espécies, seja entre animais de diferentes espécies, ou com humanos. Assim, suas análises não se restringiram apenas ao campo da biologia, mas também abriram portas para o estudo do comportamento humano. A anatomia não seria mais a única fonte de estudos que se originaria de sua obra, mas também perspectivas sobre o comportamento e portanto sobre a psicologia podem ser embasados por ela. 

A herdabilidade, ponto chave em sua produção, não se restringiria mais a caracteres físicos como principalmente abordamos nas aulas clássicas de biologia, mas também para a funcionalidade dessas estruturas para a expressão do comportamento. O próprio autor descreveu que essa semelhança na forma de expressão seriam características adquiridas e então herdadas pelos seus descendentes, aliando então com suas ideias mais conhecidas, chegando a mencionar nesse ponto até mesmo suas execuções de maneira inconsciente por ação de células nervosas sensitivas e motoras. Apesar de apontamentos que se mostraram inverdades, como é o caso da herança através do uso e desuso, e com sua teoria complementada posteriormente, é inegável a genialidade por trás do seu pensamento.

O legado para além de suas obras

A repercussão e a extraordinariedade de suas ideias foi tão grande que mesmo décadas depois serviram para embasar um novo campo de estudos: a etologia. Este campo, que investiga o comportamento animal, se originou do pensamento que existem certos tipos de comportamento que são desencadeados por estímulos do ambiente e que eles podem ser tanto herdáveis quanto adquiridos. Os expoentes e considerados fundadores da área, Konrad Lorenz e Niko Tinbergen, retomaram seus principais pontos, aliando ainda mais fortemente com os mecanismos de determinação de padrão através da seleção natural. 

Assim, Tinbergen foi capaz de classificar em sua obra 4 questões diferentes para o comportamento e que são usadas até hoje para os estudos comportamentais: causa, função, ontogenia e filogenia. Cada uma desses níveis de análise busca explicar o comportamento através de uma ótica diferente: o que causa um comportamento, quais estruturas e mecanismos o desencadeiam? Qual a função deste comportamento, como ele contribui para a sobrevivência? Como esse comportamento se desenvolve ao longo do desenvolvimento do animal, sendo influenciado pelo ambiente? E como esse comportamento evoluiu, pensando em mecanismos biológicos? Essas questões apresentam amplo fundamento nas obras de Darwin.

A ponte entre a biologia e o comportamento

Mas o que tudo isso tem de relação com as nossas perguntas iniciais? Estabelecer uma base de como começaram os estudos que comparavam o comportamento de humanos independentemente de suas culturas, e também com o de outros animais, se faz necessário para entender um ponto chave que é a própria herdabilidade discutida anteriormente. Características adquiridas ao longo da vida não são capazes de serem transmitidas entre gerações, então processos mentais e psicológicos apenas poderiam ser passados em diante por meio da cultura e convivência. Aqui, fica mais clara a relação entre a expressão das emoções com o que é considerado biológico e o que é considerado construção.

Entretanto, não foi isso que Darwin observou: mesmo em culturas diferentes, com povos nativos quase isolados do resto do mundo, e até mesmo com animais que não conseguem nem sequer entender a comunicação humana, comportamentos se preservavam. Deveria haver então outro componente além da influência social. Este levantamento é o que gerou a ideia de que deveria então haver um componente biológico comum a todos estes indivíduos, humanos e animais, para que se apresentassem em todos eles. 

A universalidade das emoções

Se você em algum momento já se aventurou pelo campo das ciências humanas e sociais, como antropologia e sociologia, já se deparou com a vastidão que é a manifestação dos conhecimentos, tradições e comportamentos nas mais diversas culturas. Com os eventos de globalização, não se tornou necessário nem estes estudos mais profundos: basta abrir uma página da internet para ficar claro essa diferença de costumes, o que por muitas vezes pode gerar um choque cultural. Hoje em dia, até mesmo para viajar para uma nova localidade, fazemos pesquisas rápidas do que pode e não pode fazer nestes locais: sinais que podem ser mal interpretados, ações que podem parecer rudes e até mesmo palavras que têm outro significado. Essa variedade cultural se expressa então também nas formas de interação social.

Dessa maneira, o que para nós pode sinalizar uma coisa, em outras culturas pode sinalizar uma outra totalmente diferente. Entretanto, como se manifestariam um conjunto de expressões indicativas de certos tipos emocionais? Afinal, a forma como transmitimos como nos sentimos é um importante fator na comunicação social e que impacta diretamente na nossa capacidade de sobrevivência.

As expressões faciais básicas

Estas questões então permearam o mundo da psicologia. Na década de 70, um importante estudo foi conduzido: os psicólogos Paul Ekman e Wallace Friesen estudaram, também com povos muito isolados, uma pesquisa sobre reconhecimento de expressões faciais, e descobriram que seis emoções eram universalmente reconhecidas e reproduzidas: felicidade, tristeza, medo, surpresa, raiva e nojo. Apesar das observações feitas anteriormente por Darwin, elas não obedeciam um grande rigor científico de controle de variáveis, então essas novas pesquisas mostraram-se necessárias.

Diversos estudos sucederam. Alguns apontavam para 7 ou 8 expressões faciais (como inicialmente proposto por estes autores), e outros apontavam para menos, como 5 ou 4, com uma sobreposição entre elas devido ao seu desenvolvimento baseado em funções sociais e não para a sobrevivência em si. Independente de quais fossem, essas emoções seriam preservadas devido ao seu valor biológico e função social, apresentando assim substratos neurais específicos.

Essas emoções poderiam então ser classificadas de diferentes formas, seja no seu grau de agradabilidade, excitação ou tensão, bem como escalas de atividade ou passividade apresentado em cada uma delas: nota-se aqui que essas emoções são caracterizadas não pelo relato subjetivo dos indivíduos, mas sim por suas respostas fisiológicas e formas de expressão. Assim, foi proposta uma maneira de classificá-las de acordo com o grau de prazer e atividade.

O que é inato e o que é construído?

Esses achados casavam não apenas com as noções darwinianas de ancestralidade comum, mas também com suas proposições de que algumas emoções se manifestariam a partir de outras devido ao seu grau de intensidade. Assim, as emoções básicas teriam sido selecionadas através da evolução como uma maneira de promover a sobrevivência da espécie em seu contexto ambiental, e seus desdobramentos estariam mais envolvidos com produtos da interação e influência social e cultural.

Intensas pesquisas agora focavam justamente nessa dissociação: o que é inato do ser humano, e o que é construído pela sociedade? Quais dessas emoções e formas que a expressamos foram moldadas por processos evolutivos, e quais foram ensinadas pela interação humana? Estes são estudos que até hoje estão em vigor, mas muito já se sabe sobre o assunto: mesmo que ainda haja debate sobre quais emoções são de fato básicas e universais, reconhece-se que, pelo seu contexto evolutivo, suas reações fisiológicas se pautariam em conexões diretas com estruturas mais basais e primitivas no processo da evolução, como por exemplo o tronco encefálico, enquanto que nuances e a racionalização em cima delas estariam relacionadas com o recrutamento de subsistemas neurais específicos no processamento emocional.

O autoconhecimento como produto

É necessário destacar que a forma como as emoções se expressam não é de maneira isolada apenas como respostas fisiológicas: todo o leque e variedade que temos nas formas de expressá-las é também influenciado pelo nosso desenvolvimento cultural, apresentando não somente variação de intensidades mas também de intencionalidades por trás. O diferencial de nossa espécie é ser capaz de processar a informação de uma maneira que ela se torna consciente e intencional, e mesmo assim configurar uma reação fisiológica como um comportamento. 

Isto posto, conseguimos entender porque controlar nossas reações emocionais é tão desafiador: elas são manifestações de respostas fisiológicas frente a um estímulo ambiental que são inatas e conservadas biologicamente. Lutar contra elas é lutar contra dezenas de milhares de anos de aperfeiçoamento evolutivo do nosso sistema nervoso em lidar com o nosso ambiente.

Emoções e comportamentos são alguns dos temas abordados no curso de Imersão em Neurociência, com a Drª Carla Tieppo. Faça sua inscrição em nosso intensivão de férias!

Referências

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