Hipnose e suas aplicações na neurociência
Você já se perguntou se fenômenos que vemos nas mídias podem na verdade ter uma base científica por trás? Em textos passados do nosso blog, desmistificamos as ações da hipnose de palco retratada em filmes e animações, mas também ressaltamos que a mesma possui diversas aplicações cientificamente comprovadas. Hoje, exploraremos mais a fundo como ela se pauta nos conhecimentos da neurociência para as mais diversas questões, focando principalmente em como a hipnoterapia pode servir de auxiliar em processos terapêuticos já bem estabelecidos. Assim, trazemos ao público como a hipnose é uma ferramenta de alto potencial e que pode ser aplicada até em si mesmo. Venha conferir!
Porque falar sobre hipnose e neurociência?
A hipnose nada mais é que a capacidade de focar em algo deliberadamente, ignorando as demais informações. A associação americana de psicologia (APA) a define como um estado de consciência envolvendo atenção focada e consciência periférica reduzida, caracterizado por uma capacidade aprimorada de resposta à sugestão. Entretanto, ainda sofre com uma visão construída e falaciosa de misticismo e entretenimento. Devido ao seu caráter histórico de prática em sociedades consideradas como ‘pagãs’, a predominância monoteísta e principalmente cristã que se instaurou nos últimos séculos tinham como ímpeto afastar tais ações, sendo que se manteve principalmente pelo showbusiness e entretenimento. Além disso, com a ascensão de correntes de pensamento cada vez mais behavioristas, a hipnose foi ficando de lado até mesmo pelo mundo científico. Assim, o estudo de uma prática milenar só pode retornar aos palcos recentemente.
Hoje, com técnicas cada vez mais precisas e avançadas da neurociência, como os diversos tipos de imagem e funcionamento cerebral, os estudos envolvendo hipnose não apenas mostram que ela é possível, como apontam também para possíveis vantagens que sua aplicação possa trazer. Cada vez mais evidências indicam que é eficaz para partos estressantes, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, diferentes tipos de dores, síndrome do intestino irritável.
A mente humana é base para todos nossos processos comportamentais e fisiológicos. Por isso, ferramentas que ajudem na sua manutenção, como a hipnose, podem ser de grande valia. A hipnose ajuda no controle emocional e também no desenvolvimento de habilidades específicas. Como Tiago Garcia diz em seu livro “Hipnose e Neurociência – Explore o Poder da Sua Mente”, a hipnose garante “técnicas para gerenciar suas emoções e aprimorar sua qualidade de vida”, além de “novas possibilidades para seu desenvolvimento e resolução de alguns desafios cotidianos que possam estar o afligindo”.
Evidências de que a hipnose existe
Fatores cognitivos alterados durante o estado hipnótico
Uma das grandes barreiras que encontram os olhos céticos sobre a hipnose reside na sua própria existência. Ainda há muitas dúvidas sobre se de fato o estado hipnótico existe ou se é apenas uma encenação. Isso se deve pois uma pequena parcela da população, cerca de 15% apenas, é capaz de atingir estados profundos da hipnose. Entretanto, para essas pessoas, a hipnose é capaz de grandes intervenções.
Níveis metabólicos cerebrais
Para testar justamente essa possibilidade de “fingimento” que poderia estar por trás das práticas hipnóticas, cientistas conduziram um pequeno estudo para checar a atividade metabólica cerebral em diferentes condições. Primeiro, os pesquisadores pediram aos participantes que fingissem estar com as pernas paralisadas. Depois, os participantes realmente foram hipnotizados e receberam a sugestão de paralisia da perna. Os resultados com PET Scan apontaram que as condições ativam diferentes regiões. Estudos complementares com com ressonância magnética apontam que o córtex motor, responsável pelo controle do movimento, estava ativado nos pacientes hipnotizados, e que mesmo assim, não conseguiram movimentar suas pernas.
O teste Stroop
Um dos testes mais popularizados na neurociência é o teste Stroop, que consiste em relatar as cores nas quais as palavras estão escritas em uma lista. Parece fácil, mas o truque aqui é que as palavras são… cores. Assim, nosso cérebro toma um processo de inibição da ação para controlar quando devemos dizer a cor em que a palavra está escrita, e não a cor que a palavra diz. Agora dá para imaginar o componente cognitivo que essa tarefa requer, não é mesmo? Mas e o que isso tem a ver com hipnose?
Como você pode imaginar, essa é uma tarefa que demanda um alto exercício cognitivo, e por isso, pode não ser tão rápida. É comum engasgar e engolir palavras no controle para dizê-las. Entretanto, quando participantes hipnotizados foram instruídos a não conseguir mais ler, fazendo com que as palavras se tornem apenas imagens, o relato das cores se tornou mais rápido e dinâmico. Interessante, não?
Estruturas cerebrais e redes envolvidas
Rede de saliência. Essa é uma rede conhecida por eleger qual dos nossos circuitos é o mais adequado para aquele determinado momento. Baseia-se em informações do ambiente que possam ser relevantes para a situação. Durante a hipnose, essa rede fica menos ativa, o que te permite que se “desconecte” do mundo, um estado característico do estado hipnótico.
Rede de modo padrão. É considerada como o “piloto automático” do nosso cérebro, estando ativa quando estamos em repouso, e que integra grande parte do nosso encéfalo. Ela se associa também com nossa autoconsciência, fluxo de pensamentos e de inferir estados nas outras pessoas. Durante a hipnose, com a diminuição de sua atividade, o processamento auto-relacionado também diminui.
Processamento preditivo
O nosso sistema nervoso é uma estrutura fascinante de interação com o meio ambiente, respondendo a estímulos com precisão e rapidez assustadoras. Entretanto, pode ser que nosso encéfalo não seja tão reativo assim. Isso porque teorias mais recentes apontam que na verdade o nosso cérebro pode ser na verdade um grande preditor de acontecimentos. O que isso quer dizer?
Segundo a teoria da mente Bayesiana, nosso cérebro é responsável por inúmeras simulações probabilísticas que de certa forma “preveem” os acontecimentos pelos quais estamos passando e que de certa forma são compatíveis com as informações que estamos recebendo. Não algo de ver o futuro, mas sim de que, se fossemos depender de ações de estímulo-resposta inteiramente para nossa sobrevivência, talvez não estivéssemos aqui. Um ótimo exemplo é que a maioria das pessoas não sabem que temos um ponto cego em nosso olho. Nele, a retina não tem receptores de luz pois é onde se insere o nervo óptico que conduzirá a informação da imagem para o seu cérebro. Constantemente nosso encéfalo analisa os arredores e preenche esse espaço para gerar um campo contínuo. Aassim, esse ponto pode ser testado simplesmente por inserir algo que quebre o padrão do campo de visão, como um pequeno X.
Inferimos a realidade, e em seguida, o cérebro simula em nosso corpo as reações fisiológicas para tal. Então compara o que previu com o que de fato está acontecendo em relação às informações recebidas do ambiente. Por fim , faz as correções necessárias para um ajuste. E tudo isso acontece em questão de milissegundos e sem que percebamos, estando sua ação fora do campo da consciência e do controle pessoal. Essa informação nos abre um caminho de interpretação de que estamos na verdade em um constante estado de alucinação, à mercê do nosso próprio encéfalo. Ou seja, o estado hipnótico age constantemente em nós, sendo que o que entendemos como de fato um evento hipnótico nada mais é que a sugestão enquanto estamos recebendo os dados do exterior, e desprezando os demais.
Hipnose como ferramenta terapêutica
Dada a existência da hipnose como certa, suas aplicações começaram. Na verdade, até mesmo antes dos estudos comprobatórios de imagem e ativação cerebral, a hipnose já era praticada por grandes nomes. Sigmund Freud é um deles, precursor na aplicação para histerias, mas dela se afastou para dar início a psicanálise e pelo seu insucesso.
A hipnose é amplamente explorada para o tratamento de dores resistentes a remédios e intervenções cirúrgicas. Assim, é capaz de diminuir a necessidade de medicamentos que possam se tornar desencadeadores de dependência. Devido ao profundo estado de analgesia que proporciona, a tem sido cada vez mais praticada em recuperações cirúrgicas, em processos de parto, dores crônicas e neuropáticas.
Atualmente, as principais aplicações da hipnose se fazem com base na hipnoterapia, ou seja, usada como terapêutica auxiliar em outras modalidades. Esse tipo de tratamento auxilia no foco, aumenta a performance, diminui as ansiedades, aversões, fobias e no combate a vícios e comportamentos ou sentimentos indesejáveis em transtornos. Dentre essas aplicações, destacam-se os resultados no tratamento de dores crônicas, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, depressão, fobias, transtornos dissociativos e até mesmo síndrome do intestino irritável.
O futuro da hipnose reside no seu potencial terapêutico. Com uma crescente evolução tecnológica e cada vez mais embasamento científico, ela tende a ser popularizada e cada vez mais utilizada no cotidiano. Além disso, as práticas de auto-hipnose, que podem ser e estão sendo cada vez mais disseminadas para gerenciar o auto-controle e proporcionar o autoconhecimento está cada vez mais presente.
Se você gosta e tem interesse em saber mais sobre hipnoterapia, faça nosso curso Hipnose na Prática, uma parceria entre Tiago Garcia e o Instituto Conectomus. Acesse o site aqui e confira! Além disso, leia nosso outro texto Hipnoterapia e a Hipnose de Palco: você sabe quais são as diferenças?
Recomendações de Leitura
Hipnose e Neurociência: Explore o Poder da sua Mente – Tiago Garcia
Neurociência da Hipnose – Pedro Ivo
Principles of Neural Design – Peter Sterling
Surfing Uncertainty: Prediction, Action and Embodied Mind – Andy Clark
How Emotions Are Made – Lisa Feldman