Como os hormônios podem impactar seu aprendizado
Não é novidade que a saúde e bem-estar do nosso corpo são fundamentais para a manutenção dos nossos processos cognitivos, afinal, corpo e mente estão sempre em sincronia. Assim, conseguimos manter um equilíbrio em todas as nossas funções, garantindo não apenas sobreviver no nosso mundo, mas também viver todas as experiências que ele pode oferecer. Manter essa conexão com o mundo depende diretamente da nossa capacidade de perceber e interagir com ele, e para isso, usamos de nossas funções cognitivas, como atenção, concentração, emoção, linguagem, memória e muitos outros. Entender a relação dos nossos processos fisiológicos com a nossa mente é fundamental, e para isso, vamos explorar alguns fatores chave: os hormônios.
Os tipos de comunicação celular
Para promover essa estabilidade, diferentes partes do corpo precisam se comunicar entre si. Se estão próximas ou do lado uma da outra, o contato garante o diálogo direto entre elas. Mas o que acontece caso essas estruturas não sejam adjacentes? Uma das maneiras que encontramos é a sinalização química, ou seja, componentes em nossas células e sangue que mandam sinais uns para os outros, atuando como intermediários, podendo atuar na própria célula ou em células-alvo.
Dois exemplos são os hormônios e os neurotransmissores. Ambos nada mais são que moléculas que garantem a comunicação entre duas estruturas diferentes, mas com uma diferença fundamental: os neurotransmissores são liberados em um local chamado de fenda sináptica, próximos aos seus alvos, enquanto que os hormônios são projetados para cair na corrente sanguínea e atuar em regiões distantes do seu corpo e que tenham seus receptores específicos.
Mas, e os chamados neuro-hormônios? Bom, essa é uma classe especial de hormônios. Veja bem, por serem considerados hormônios, eles são liberados na corrente sanguínea para agirem em algum local diferente do que foi produzido, mas a especificidade dessas moléculas é que elas também podem atuar como neurotransmissores no próprio sistema nervoso.
Aprendizagem e a relação com os hormônios
Dentre todos os processos cognitivos em nossa vida, podemos destacar os processos de memória e aprendizagem como um dos mais fundamentais. Todas as tarefas do nosso dia a dia são permeadas com esses princípios, das mais complexas como quebrar a cabeça com problemas difíceis e falar novas línguas, até as mais “simples” como andar de bicicleta e comer quando está com fome.
Não é de se surpreender que até mesmo essas atividades mais “simples” sejam na verdade processos complexos, envolvendo diversas estruturas e reações fisiológicas, e dentre esses processos, os hormônios também possuem grande influência. Alguns já são mais estabelecidos, como os responsáveis pelo estresse, mas outros são surpreendentes. Vamos ver um pouquinho sobre quais os principais envolvidos neste processo?
Você é o que você come: os processos de aprendizagem também são influenciados pela sua alimentação
De alguns anos para cá, tem ficado cada vez mais evidente a importância de um órgão que tem sido denominado como o nosso segundo cérebro: o intestino. Suas conexões com o nosso sistema nervoso central são extensas, e muitos estudos têm apontado até mesmo sua relação com algumas disfuncionalidades como a Doença de Alzheimer, chegando a ser apelidada de Diabetes do tipo III. A glicose, ou seja, o açúcar proveniente da comida, já foi apontado como um fator que altera o aprendizado [24,25,26], e por isso, hormônios que a regulam, como insulina e glucagon, também o modificam [20].
Outros hormônios relacionados com essa balanço são a grelina e a leptina: por promoverem a sensação de fome e de saciedade, respectivamente, por comunicações com o centro da ingestão alimentar no hipotálamo, podem aumentar ou diminuir a disponibilidade de açúcar no sangue e no sistema nervoso. Além disso, são importantes hormônios relacionados com o aprendizado da fome: a liberação de grelina promove a sensação de fome, que é associada com a necessidade de ingestão alimentar [19] e por meio da recompensa gerada pela comida [21], promove melhoras no aprendizado [22,23].
Os hormônios do estresse e sua relação ambígua com o aprendizado
Quando pensamos em estresse, logo pensamos no seu impacto negativo: falta de apetite, humor alterado, queda de cabelo, dores de cabeça, depressão, ansiedade e dificuldades cognitivas. De fato, o aumento de hormônios classicamente relacionados com o estresse, como o cortisol e outros glico e mineralocorticóides, e sua regulação pela corticotrofina, produzida na hipófise, traz uma série de malefícios para a aprendizagem: estudos mostram que aprender sob condições de estresse prejudicam a formação e manutenção de memórias [1,5,6], as deixando menos específicas [2], ser exposto ao estresse em diferentes fases da vida, como infância e adolescência, afeta diferentemente nossa habilidade de aprender [4] e até mesmo um leve estresse materno pode causar prejuízos na aprendizagem da prole [3].
Entretanto, algo surpreendente é que nem sempre o estresse é um vilão. Os níveis adequados do mesmo promovem um ambiente certeiro para o aprendizado e retenção de informação, aumentando a performance, e melhorando a consolidação de um novo aprendizado [8]. Apontado pela chamada Curva de Yerkes-Dodson, podemos ver que níveis altos de estresse são extremamente prejudiciais para o desempenho individual, mas níveis baixos também são alarmantes, pois não promovem a motivação adequada e deixam a tarefa tediosa. Algumas pesquisas apontam que o estresse é benéfico para o aprendizado em algumas situações específicas [7], e também que alguns hormônios relacionados, como os glicocorticóides, podem aumentar a força de uma memória [9,10].
Endorfinas e o papel do exercício físico na aprendizagem
Tendo em mente que o estresse afeta o aprendizado, maneiras de aliviar a tensão causada pelo mesmo seriam alternativas interessantes para melhorar a obtenção de conhecimento. A liberação de endorfinas durante a atividade física, por exemplo, é capaz de diminuir o efeito do estímulo estressor, melhorando o aprendizado [11], com uma possível interação entre endorfinas e a corticotrofina sendo estabelecida. Por isso, a prática de exercícios se faz tão importante, promovendo a liberação de hormônios atenuadores do estresse, promovendo além de uma melhora nos processos cognitivos, uma sensação de bem-estar.
Os hormônios sexuais: você sabia que o ciclo menstrual e os contraceptivos influenciam no aprendizado? Mas não da maneira que você pensa!
Os hormônios sexuais também possuem muita ação nessa esfera: enquanto infundamentados preconceitos existem em nossa sociedade a respeito do envolvimento hormonal na capacidade cognitiva, diversos estudos apontam para que o estradiol melhore alguns tipos de aprendizado [15], e que também promova um aumento de conexões no hipocampo [16].
Além disso, o ciclo menstrual, por promover alterações nos níveis hormonais, também influencia nisso: pessoas com concentrações elevadas de estradiol durante o ciclo são menos vulneráveis à ação do estresse na aprendizagem [17]. O uso de contraceptivos também tem um papel importante: enquanto muitas críticas são tecidas quanto ao seu uso, mulheres que os tomam mostraram vantagens no aprendizado espacial, e também na memória verbal e emocional [18].
Oxitocina e vasopressina: aprendendo a ser social
Oxitocina e vasopressina são hormônios produzidos pela hipófise e que estão ligados a cognição social e efeitos regulatórios no nosso organismo. Em algumas espécies, a nossa inclusive, a vocalização é um importante fator para a promoção da socialização, e estes já foram mostrados ter relação com o aprendizado vocal [31]. Além disso, modelos computacionais apontam para a relação da oxitocina em um aprendizado chamado de pró-social [32], que é aquele em que aprendemos ações que fazem bem para o próximo.
Hormônios tireoidianos e relação com plasticidade
Déficits na biodisponibilidade de hormônios tireoidianos, como T3 e T4, bem como TSH que estimula suas produções, já são bem estabelecidos entre os pesquisadores como causas de prejuízo em diversas frentes cognitivas, dentre elas a capacidade de aprendizagem, seja ela espacial, vocal, emocional, motora ou sensorial [27]. Estes têm uma forte relação com a plasticidade neuronal, ou seja, a capacidade dos neurônios de fazerem novas conexões, uma vez que sua ação é muito ligada com a disponibilidade de receptores para os mesmos, bem como da sua atividade e regulação genética [27]. Não suficiente, alterações nos níveis de cada um deles está também associado com efeitos de memória nos processos de Doença de Alzheimer e outras demências [28]
Somatotropina (hormônio do crescimento)
A somatotropina, também conhecida como hormônio do crescimento (GH), é indispensável no processo de desenvolvimento do indivíduo, atuando principalmente nos primeiros anos de vida e durante a adolescência, mas que continua sendo produzido por toda a vida. Estudos divergem quanto a ação da somatotropina na aprendizagem, com estudos apontando para uma curva de dose-resposta [12], ou seja, que altos níveis de GH seriam prejudiciais, enquanto níveis mais baixos seriam facilitadores. Este hormônio contribui para uma aumento da densidade de conexões em uma região do hipocampo [13], estrutura altamente relevante para a memória, além de facilitar fazer com que memórias durem mais e sejam mais difíceis de serem alteradas [14].
Melanócitos
Você sabia que até mesmo hormônios que foram originalmente descritos por conferirem pigmentação, também possuem envolvimento em processos de aprendizagem? Isso aponta para a grande diversidade de fármacos que podem atuar no nosso sistema nervoso de diferentes maneiras. O hormônio concentrador de melanina (MCH) é produzido, entre outros lugares, na glândula pituitária no nosso diencéfalo, e facilita por exemplo a aprendizagem visual [29], e tem papel fundamental nos processos de memória e também em sua relação com o sono [30]. Importante destacar que suas ações na pigmentação e em efeitos comportamentais não são ligadas por estarem presentes em tecidos diferentes.
Como então garantir um melhor aprendizado?
Você viu neste texto que os hormônios podem ser nossos aliados, mas também podem ser vilões no processo de aprendizagem, e isso é válido para todas as esferas cognitivas! Por isso é tão importante manter um balanço adequado dos mesmos em nosso organismo, para que possamos garantir a otimização deste processo. Para isso, faça sempre um acompanhamento com um endocrinologista, para saber se seu corpo está com um funcionamento adequado e que vai lhe proporcionar ótimos resultados. É importante não tomar jamais nenhum medicamento sem acompanhamento médico, mesmo que não precisem de prescrição, pois vimos como pequenas alterações podem ocasionar grandes problemas.
Mesmo assim, existem ações que você pode fazer para se assegurar que está fazendo tudo o que pode pelo seu corpo e sua mente! Ter uma alimentação balanceada e saudável, praticar atividades físicas, manejar o estresse do cotidiano e manter boas relações são passos importantes para manter uma homeostase endócrina, ou seja, um equilíbrio hormonal em seu corpo, e assim, você se assegurará que está fazendo tudo o que pode para aprender melhor!
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Referências
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