Células da pele convertidas em neurônios ajudam a entender esquizofrenia
Novo modelo de pesquisa permite estudos sobre a base biológica do transtorno
A esquizofrenia, um transtorno mental caracterizado por distanciamento emocional da realidade, ilusões visuais ou auditivas, pensamento desordenado e delírios, atinge cerca de 60 milhões de pessoas no mundo e aproximadamente 1,8 milhão no Brasil. Apesar disso, o mecanismo responsável pelo distúrbio ainda não é conhecido com total clareza. Diversos pesquisadores acreditam que boas respostas possam ser encontradas na bioquímica cerebral, em especial nos aspectos genéticos e moleculares. Porém, o fato de, por motivos éticos, os testes serem feitos apenas em animais ou em células de esquizofrênicos já falecidos, retarda o progresso das pesquisas. Uma possível solução para o impasse foi apresentada em estudo publicado pela Nature. Neste trabalho, a equipe coordenada pelo neurocientista Fred Gage, do Instituto Salk de Estudos Biológicos, na Califórnia, conseguiu transformar células da pele (fibroblastos) de pessoas com esquizofrenia em células mais imaturas e versáteis, chamadas células-tronco de pluripotência induzida (iPS, na sigla em inglês). Em seguida essas iPS foram convertidas em neurônios.A mudança forçada de função gerou o que os pesquisadores acreditam ser cópias fiéis, ao menos do ponto de vista genético, das células cerebrais de quem tem esquizofrenia. Segundo os cientistas, esses neurônios fabricados em laboratório são importantes para compreender o transtorno, porque permitem desprezar a influência de fatores ambientais como o uso de medicamentos ou o contexto social. Após as modificações foram realizados testes para verificar se os novos neurônios se comportavam de fato como os originais e se eram capazes de transmitir informações. Foi constatado que eles eram muito semelhantes. A pesquisadora notou, inclusive, que os neurônios de laboratório, assim como os observados em modelos animais e em células humanas extraídas após a morte, apresentavam menos ramificações que os de pessoas sem esquizofrenia. Essas ramificações são importantes porque permitem a comunicação cerebral. Outra descoberta obtida com a ajuda das células-tronco convertidas foi que nos neurônios dos esquizofrênicos a atividade genética difere da observada em pessoas sem o distúrbio. Os autores do estudo viram que o nível de ativação de 596 genes era desigual nos dois grupos: 271 genes eram mais ativos em esquizofrênicos – e 325 menos expressos – que nas pessoas sem o transtorno.
Outro teste feito diz respeito aos medicamentos: os pesquisadores colocaram os fibroblastos convertidos em neurônios em cinco soluções diferentes, cada uma contendo um dos cinco medicamentos mais usados para tratar esquizofrenia: clozapina, loxapina, olanzapina, risperidona e tioridazina. De todos, apenas a loxapina foi capaz de reverter o efeito da ativação anormal dos genes e permitir o crescimento de mais ramificações nos neurônios. Esses resultados, porém, não indicam que os outros quatro compostos não sejam eficientes. Os cientistas ressaltam que a otimização da concentração e do tempo de administração pode aumentar os efeitos das outras medicações antipsicóticas. “Esses medicamentos estão fazendo mais do que achávamos que fossem capazes de fazer. Pela primeira vez temos um modelo que permite estudar como os antipsicóticos agem em neurônios vivos e geneticamente idênticos aos de um paciente. Isso é importante porque torna possível comparar os sinais da evolução clínica da doença com os efeitos farmacológicos,” completa a neurocientista Kristen Brennand, principal autora do estudo. Os pesquisadores têm esperanças de que o novo modelo possa ajudar a entender melhor os mecanismos do transtorno e a avaliar possíveis medicamentos capazes de reverter o quadro.
Texto retirado de: https://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/celulas_da_pele_convertidas_em_neuronios_ajudam_a_entender_esquizofrenia.html