A prática leva à perfeição?
A prática leva à perfeição?
Muito provavelmente você já ouviu essa frase antes, talvez dita por algum parente mais velho ou algum amigo, é algo comumente utilizada em nosso dia-a-dia. Pode ser também que você já tenha ouvido falar em algum momento sobre a regra das 10.000 horas, que propõe que é necessária essa quantidade total de horas para se atingir um nível de maestria em uma habilidade, seja pintar um quadro, jogar futebol ou tocar piano.
Antes de pensarmos sobre as horas de dedicação na aprendizagem de alguma tarefa até desenvolver um nível de maestria, vamos tentar enxergar de outra maneira, a partir do ponto de vista em que há um maior entendimento do processo que envolve a realização de um movimento, bem como o de desenvolver e refiná-lo para determinada prática.
A motricidade pode ser entendida como um conjunto de funções nervosas e musculares que nos permite realizar movimentos voluntários e involuntários. Sendo um processo que abrange planejar, sequenciar, iniciar, executar e corrigir as ações motoras. Existe uma hierarquia no controle do sistema motor que é fruto de milhões de anos de evolução filogenética, e que pode ser divida em três níveis.
A divisão desses níveis tem relação com a complexidade envolvida para a execução do movimento, os movimentos involuntários são os mais simples (Nível I), pois não necessitam de controle cortical e ocorrem em nível medular, são os movimentos reflexos. Já os movimentos voluntários são os mais complexos nesse sistema hierárquico (Níveis II e III), e demandam de áreas como córtex motor, núcleos da base, tronco encefálico, cerebelo, medula, músculo. Os núcleos da base são estruturas envolvidas com a elaboração de uma estratégia motora enquanto os aspectos táticos são responsabilidade do córtex motor juntamente com o cerebelo.
O cerebelo elabora todo um sequenciamento de contrações musculares necessário para realização de uma ação/movimento, a elaboração dessas sequencia é mediada por experiências vividas anteriores, ou seja, essa estrutura tende a repetir padrões que deram certo e desfazer padrões falhos. Por isso desempenha importante papel na aprendizagem realizando ajuste fino e informando ao córtex motor para correção de erros na ação motora.
Então se voltarmos ao pensamento inicial: “a prática leva à perfeição” podemos considerar que na realidade o treino e a pratica leva a uma maior capacidade de o nosso sistema motor realizar os movimentos e corrigi-los, e nesse processo de aprendizagem o modelo se mostra um elemento primordial, pois é a partir de um exemplo de como executar uma tarefa que aprendemos a realizá-la com maior proficiência. E não bastando apenas o modelo é também preciso de contexto, e talvez aqui possamos retomar o conceito das 10.000 horas e refletir que não se trata apenas do tempo dedicado à atividade, como muitas vezes é interpretada erroneamente, mas sim de contextualizar a atividade, ou seja, ter um motivo/objetivo para fazê-la dedicando tempo de forma focada. E é nesse ambiente rico de modelos e com objetivos a serem alcançados que o cerebelo tem grande importância na aprendizagem motora, o sistema cerebelar tenta a todo o momento “enxergar” esses objetivos que devem ser alcançados, verificar a similaridade com os modelos aprendidos anteriormente em outras experiências e então gerar uma sequência de respostas e comportamentos motores.
Podemos então pensar na importância da motricidade no processo de aprendizagem, seja de um novo conceito que pode ser apenas teórico ou de algo que exigirá movimentos corporais complexos, bem como da importância do treino para o desenvolvimento de uma prática em nível de excelência. Para as escolas, professores e a família ficam alguns questionamentos para reflexão: Será que apresentamos para as crianças e jovens um ambiente com objetivos claros? Será que existe alguma preocupação em oferecer formas dos educandos “reciclarem” modelos ao invés de só decorarem novos conteúdos? E por último, será que após repensarmos muito sobre a estrutura da educação atual, após dedicarmos muito mais que 10.000 horas, a nossa pratica levará (ou chegará) a perfeição?
Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo
Pós-graduação em Neurociência aplicada à Educação
Autor: Thiago Tatsuro Aoki – RA: 201605122