Tanto quanto lembrar, esquecer é importante e inevitável
A ciência avançou muito nos últimos anos na busca para descobrir os mecanismos neurológicos por trás da memória. Como ela é adquirida, como se consolida, patologias que aceleram sua perda e as formas possíveis de prolongá-la.
Temos a nossa disposição indicações de como manter a memória afiada: revistas, jogos, exercícios, técnicas que garantem aumentar o nosso poder de memorização. Mas, e quanto ao esquecimento?
Em seu livro A arte de esquecer (2004), Izquierdo afirma que é “necessário esquecer para poder fazer generalizações e, portanto, pensar”.
Segundo o autor, é provável que o esquecimento seja de fato o aspecto mais predominante de nossa memória. Ele argumenta nessa obra, a maneira dos que postulam uma “arte da memória”, uma arte do esquecimento, que nos livraria, entre outras coisas, da insensatez e do estresse cognitivo derivado de incontáveis informações – a maioria delas irrelevantes – a que somos submetidos constantemente. Isso permitiria um apaziguamento de nossa vida psíquica – frente, por exemplo, ao esforço de lembranças dolorosas ou inúteis. Assim, nem sempre o esquecimento representa apenas um momento cruel em que a memória nos trai.
Para que a consciência possa focalizar determinados aspectos do mundo externo ou da experiência subjetiva interior, deve haver inibição transitória (não o apagamento) de reminiscências, associações e imagens memorizadas que, do contrário, perturbariam a focalização da tarefa em pauta. Logo, é esquecendo que podemos memorizar aquilo que, para nós, é relevante em determinado momento.
Pesquisas atuais visam tratamentos eficazes, como medicamentos e terapias que buscam como resultado o esquecimento de acontecimentos dolorosos como fobias e estresse pós- traumático. Métodos atrativos, talvez, não só para quem sofre de transtornos psicológicos, mas para aqueles que gostariam de extinguir alguma lembrança que julgam insuportável. Mas qual seria o nível de esquecimento que poderíamos obter?
O psicanalista Sigmund Freud postulou em sua teoria da repressão * que idéias ou impulsos inaceitáveis para a consciência são suprimidos, inconscientemente, como uma barreira de proteção, e assim impedidos de entrar no estado consciente. A repressão é um mecanismo de defesa que age para afastar um desejo, mantendo-o a distância, no inconsciente, para evitar o desconforto de uma lembrança que o sujeito não está pronto para admitir. No entanto, esse material reprimido vez por outra eclode no consciente, ainda que de forma contrária a vontade do sujeito, estando relacionado com a ansiedade e doenças psicossomáticas, o que coloca em xeque a crença de que tentar esquecer é o melhor remédio.
Para o fundador da Psicologia analítica, Carl G. Jung, nascemos com o que ele nomeou de inconsciente coletivo *. Um nível mais profundo da psique que contém as experiências herdadas das espécies humanas. Nele estariam armazenadas as experiências acumuladas das gerações anteriores, inclusive dos nossos ancestrais. Essas experiências universais e evolutivas formam a base da personalidade e surgem em nossa consciência através dos sonhos e dos símbolos. Porém, não podemos acessar livremente as experiências contidas no inconsciente coletivo. O indivíduo não está ciente delas, assim como ocorre com as experiências contidas no inconsciente pessoal.
Memórias carregadas emocionalmente podem ser lembradas por anos a fio, outras, como o que você acabou de ler no ultimo parágrafo, se perdem em segundos. E não podemos esquecer que apesar de parecer extremamente desejável obtermos maneiras de apagar memórias traumáticas, ou até mesmo as embaraçosas e desconfortáveis, filósofos e cientistas concordam que elas são partes constituintes e indispensáveis dos elementos que compõem nossa personalidade. Além disso, por mais dolorosas que sejam, muitas memórias carregam um valor adaptativo, pois evitam a repetição de erros do passado, e essas experiências de vida estão intimamente ligadas na formação do Eu.
*Freud – vol. 11 – Ed. bras.
*C.G. Jung – vol. 9/1 – Obras completas