Conhece-te a ti mesmo
Essa máxima que se encontra no oráculo de Delfos é de autoria desconhecida, e, como todas as máximas que atravessam os tempos, transborda sua sabedoria através de diferentes interpretações. No Antigo Egito, diz-se que ao se conhecer, conhecerá os deuses. Mas na Grécia, essas palavras eram pronunciadas quando se quer revelar a ignorância de alguém sobre sua humanidade, seus equívocos, sua ingenuidade.
O fato é que o ser humano é o único ser vivo que pode se debruçar sobre o autoconhecimento. Só nós temos as ferramentas mentais necessárias para nos observarmos e observarmo-nos uns aos outros. Olhamos o comportamento das pessoas e as imitamos desde pequenos. Desenvolvemos uma linguagem para atender a necessidade de comunicação e relacionamento. Seguimos regras e costumes que nos definem enquanto seres humanos de uma determinada cultura. E nos rebelamos a tudo isso durante a adolescência para depois nos acomodarmos em vidas possíveis dentro da sociedade que vivemos. E a complexidade da vida que vivemos dentro dessa sociedade acaba por provocar a necessidade desse autoconhecimento como única salvação para nossa angústia diante da nossa ignorância essencial.
Se não aprofundamos as perguntas que justificam nossos comportamentos e decisões e não encontramos uma razão para continuarmos vivendo como vivemos, essa inquietude pode tirar nossa paz por completo. Identificamos nossas emoções, sentimentos e opiniões pelos pensamentos que pensamos e palavras que falamos mas as coisas que não podem ser acessadas pelo pensamento e nem tocadas pelas nossas palavras parecem não existir. Temos imensa dificuldade em aceitar que somos preconceituosos, por exemplo, já que em nosso pensamento racional não há espaço para esses julgamentos mas não sabemos explicar o medo que sentimos quando cruzamos com alguém de outra etnia ou cultura na rua. E assim, podemos passar toda uma vida nos perguntando: “quem sou?”; “de onde venho?”; “para onde vou?”
Sou um ser humano. Não tenho nenhuma dúvida disso. E você também não tem por que duvidar da minha humanidade. Esses meus escritos cheios de inquietações humanas entregam minha natureza. Mas será que algum dia alguma inteligência artificial apresentará essas inquietações? Há quem diga que sim. Se emularmos (imitarmos completamente) o funcionamento de um cérebro, é possível que num dado momento, esse cérebro artificial aprofunde sua metacognição e se pergunte: quem é esse ser que pensa? O que é essa voz que parece falar dentro de mim?
Além de ser um ser humano, sou neurocientista. E foi essa ciência que fez com que minhas perguntas humanas ficassem ainda mais esquisitas. Mas o que a neurociência tem a ver com isso? Ao procurar compreender como células do nosso corpo biológico dão origem à mente humana, me defrontei com as principais questões a respeito do autoconhecimento. Ao estudar nosso sistema nervoso, compreendi emoções e sentimentos de uma forma um pouco diferente daquela que nosso senso comum costuma compreender. Imagine se eu tivesse como lhe demonstrar que suas emoções são importantes mecanismos de memória que determinam como você deve se comportar em determinadas situações? E se ficasse provado que elas ocorrem no seu cérebro e não tem nada a ver com seu coração? Uma aluna minha escreveu ao pai nas redes sociais: “Te amo com todo o meu cérebro”. E se isso fosse realmente verdade, haveria algum outro caminho mais interessante para o nosso autoconhecimento do que desvendar o funcionamento do nosso cérebro? Desprovido de crenças, numa abordagem cientificamente correta, através de observações, proposituras teóricas, modelagem e consistência chegaríamos mais perto de uma possível realidade.
Esse é o convite que lhe faço nessa primeira semana de Neurociência Online: “conhece o teu cérebro, para conhecer-te a ti mesmo”