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Hipnoterapia e a hipnose de palco: você sabe quais são as diferenças?

Muitos conhecem a hipnose pela sua disseminação popular, o famoso transe que artistas de rua promovem em pedestres e que sugestiona suas experiências em um entretenimento passageiro. Entretanto, a hipnose também pode ser usada como uma ferramenta terapêutica no auxílio a diversos tratamentos, uma vez que é possível fazer uma reformulação cognitiva capaz de promover mudanças significativas em sua vida. Vamos explorar um pouco mais sobre a hipnose, seu uso como entretenimento e também como terapia, e tirar o estigma de cima dessa técnica tão incrível.

Afinal, o que é hipnose?

A hipnose é para muitas pessoas introduzida como um entretenimento. Quem nunca viu aquelas cenas em televisão ou até mesmo em espetáculos ao vivo de um indivíduo perdendo o controle e fazendo o que os hipnotizadores mandam. Entretanto, é bom destacar que a hipnose de verdade está longe de ser isso!

Apesar de vermos pessoas comendo cebolas pensando serem maçãs, ou ainda indivíduos que ficam com movimentos catalépticos na tradicional pose de braços levantados enrijecidos, a hipnose é nada mais que um estado de atenção concentrada com maior percepção do seu corpo, no qual é possível até mesmo modificar sua percepção do mundo. Funciona pela indução de um estado focado de consciência, que identifica e trabalha a jornada de acontecimentos que ocorreram com as pessoas, podendo assim modular sua percepção.

A hipnose é, portanto, um estado natural do ser humano: quando estamos extremamente focados. Um exemplo muito bom disso é quando estamos assistindo um filme tão envolvente que nos emocionamos junto com os personagens. Apesar de sabermos que não é uma situação real, há um envolvimento tão grande que somos capazes de alterar nossa percepção e vivência.

Um show de entretenimento

Em muitos círculos, a hipnose é tratada com certa aversão e até mesmo desdém pelo seu uso corriqueiro em eventos de entretenimento. Vemos em rodas na rua, programas de televisão, shows com platéia ao vivo uma imagem estereotipada do que seria a aplicação dessa técnica. Muitos filmes chegam ainda a retratar a figura do hipnotizador como uma pessoa de má índole, manipuladora e com segundas intenções, usando da hipnose para vantagens pessoais.

A hipnose pode sim ser usada como uma forma de entretenimento, mas é interessante ressaltar alguns pontos: ninguém jamais consegue ser hipnotizado contra sua vontade. Como dissemos, é um estado que requer atenção, e para isso, o envolvimento do indivíduo se faz necessário. Além disso, a pessoa nunca irá fazer algo que realmente não queira ou já esteja com vontade desde o início.

Retirando o caráter místico

Aqui chegamos no cerne de nosso texto: vamos desmistificar a hipnose fornecendo informações importantes para que o medo não tome lugar. Não podemos perpetuar o estigma em cima dessa técnica que pode ser extremamente favorável para o indivíduo na promoção do autoconhecimento e manejo pessoal.

O que é o transe?

Quando alguém diz que uma pessoa entrou em “transe” significa que essa pessoa está no estado hipnótico. Ou seja, está em momento de estado focado no qual a pessoa está consciente, mas no qual todos os estímulos que não estão no foco são ignorados. Assim, a pessoa não está dormindo nem está inconsciente, apesar de serem usadas técnicas de relaxamento físico como auxiliadoras na indução do processo.

Mentes “fortes” resistem à hipnose?

Essa é uma ideia que parte de um princípio errado por si só. Não é possível hipnotizar alguém que não queira ser hipnotizado, pelo simples fato de que não é possível obrigar alguém a se concentrar à força. Além disso, o papel do hipnotizador é apenas de guia e promotor da sugestibilidade. Assim, todos que estão dispostos podem ser hipnotizados, mas os estados profundos da hipnose chegam a aproximadamente 15% das pessoas.

Quando usada como uma forma de tratamento, o papel do hipnoterapeuta é levar o paciente a identificar e ressignificar acontecimentos que são considerados como geradores de comportamentos erráticos e que querem ser mudados, contribuindo para mudanças dos mesmos.

Está relacionada com alguma religião?

Não. A hipnose é uma prática natural, associada ao comportamento humano e que independe de qualquer prática espiritual. Apesar de poder ser utilizada em alguns rituais, a hipnose trabalha apenas com o cérebro e seus estados de concentração, relaxamento e anestesia. 

A pessoa fica “vulnerável”?

Aqui retomamos a ideia de que o hipnotizado não irá fazer nada contra sua vontade: não irá contar segredos ou coisas que não queira, pois está sempre no controle. O exercício do hipnotizador está na sugestão, portanto, esse poder direto não existe. 

Além disso, não é possível apagar lembranças ou então deletar informações, como vemos sendo retratados em filmes, é apenas possível ressignificar os eventos e neutralizar emoções negativas associadas a eles, havendo então uma reinterpretação dos fatos.

É muito comum também o medo de reviver momentos traumáticos. Por isso é tão importante a prática em lugares controlados: quando alguém é hipnotizado na rua, por exemplo, como é trabalhada a ressignificação de acontecimentos, eventos distratores como o barulho dos carros ou ainda de alguém passando pode influenciar no processo. Entretanto, em um ambiente controlado como durante uma terapia, há um ambiente seguro, cuidado e fortalecido para que possa ressignificar estes traumas que impactam sua vida. Assim nasce o poder da hipnoterapia.

O que é a hipnoterapia e no que ela pode auxiliar?

A hipnoterapia é uma técnica segura que utiliza da hipnose para contribuir com terapias aplicadas às questões emocionais, funcionando pela indução de um estado focado de consciência (estado hipnótico) que identifica e trabalha a jornada de memórias que tornam as pessoas suscetíveis a distúrbios emocionais diversos. Assim, é quando aceitamos que uma sugestão atravesse a faculdade crítica da mente consciente e estabelecendo no inconsciente um pensamento ou emoção aceitável.

Aliada à psicologia, pode atuar como coadjuvante em um tratamento trazendo ótimos resultados, com excelentes resultados. Auxilia no foco, aumenta a performance, diminui as ansiedades, aversões, e fobias. Atua no combate a vícios e comportamentos e ou sentimentos indesejáveis pelo tratamento de transtornos mentais, emocionais e físicos, resultando no realinhamento de hábitos. Se usa a hipnoterapia até mesmo para auxiliar no tratamento de dores crônicas e agudas, sendo um dos campos mais recentes a indução de estado hipnótico durante o parto para amenizar as dores advindas do processo (o chamado ‘hipnobirth’).

Além disso, a hipnoterapia tem o grande diferencial de não possuir efeitos colaterais, muitas vezes sendo relatados até mesmo melhorias em outras áreas da vida. Conta ainda com diversos tipos de abordagens e roteiros, que podem ser trabalhados e especificados de acordo com as necessidades do paciente. Sem contar que o feedback é instantâneo, um grande diferencial para outras abordagens que geralmente demoram diversas sessões para se observar alguma melhora.

Funciona de verdade?

Os Conselhos Federais de Medicina, Psicologia e Odontologia regulamentam a aplicação da hipnoterapia, sendo um campo de estudos que tem ganhado notoriedade principalmente nas últimas três décadas por seu crescente corpo de evidências científicas e diversas aplicações. Experimentadores conduzem diversas pesquisas anualmente, feitas com grupos de pessoas muito e pouco hipnotizáveis, comprovando eficácia em diversos tipos de transtorno.

O que a neurociência diz

Nas últimas duas décadas, com o surgimento de  novos equipamentos, como ressonância magnética funcional e tomografia computadorizada por emissão de pósitrons, foi possível obter correlatos de como a hipnose é capaz de atuar em nosso cérebro. Consegue-se assim visualizar áreas que funcionam em determinadas circunstâncias, permitindo entender o funcionamento do cérebro

A absorção da atenção acontece com menor atividade no córtex cingulado anterior, que faz parte da chamada rede de saliência, responsável pelo estado atencional. Assim, no estado hipnótico, a pessoa não presta atenção no que esta acontecendo a sua volta, somente nas sugestões do hipnotizador. Outro fator é a maior conectividade funcional entre o executivo (mais especificamente o pré-frontal dorsolateral) e a ínsula, no qual identificamos sugestões e são capazes de modular a percepção e interpretação do estímulo. 

A conectividade funcional inversa entre o executivo e a rede de modo padrão (córtex cingulado posterior) também é observada. Uma área ativada diminui a atividade da outra, permitindo com que a função do racional analitico diminua a atividade da parte de auto-reflexão responsável pelos pensamentos intrusivos. Assim, quando está ativa, focando muito no que está sendo sugestionado pelo hipnotizador (e aí a importância do seu papel e do controle do ambiente), a pessoa se desconecta de quem é , garantindo assim um estado de dissociação.

Recomendações de leitura

Overview da hipnose numa perspectiva biológica: Vanhaudenhuyse A, Laureys S, Faymonville ME. Neurophysiology of hypnosis. Neurophysiol Clin. 2014 Oct;44(4):343-53. doi: 10.1016/j.neucli.2013.09.006. Epub 2013 Oct 29. PMID: 25306075.

Uso da hipnose no parto: Babbar S, Oyarzabal AJ. The Application of Hypnosis in Obstetrics. Clin Obstet Gynecol. 2021 Sep 1;64(3):635-647. doi: 10.1097/GRF.0000000000000635. PMID: 34323237.

Uso da hipnose no parto: Madden K, Middleton P, Cyna AM, Matthewson M, Jones L. Hypnosis for pain management during labour and childbirth. Cochrane Database Syst Rev. 2016 May 19;2016(5):CD009356. doi: 10.1002/14651858.CD009356.pub3. PMID: 27192949; PMCID: PMC7120324.

Aplicações médicas da hipnose: Häuser W, Hagl M, Schmierer A, Hansen E. The Efficacy, Safety and Applications of Medical Hypnosis. Dtsch Arztebl Int. 2016 Apr 29;113(17):289-96. doi: 10.3238/arztebl.2016.0289. PMID: 27173407; PMCID: PMC4873672.