Abstrair para além da guerra entre razão e emoção
A racionalidade é ferramenta de análise de causas e consequências. Use-a sem se deixar escravizar por ela.
Há quem diga que a maior fragilidade do feminino é sua emocionalidade. Ou, em outras palavras, se diz que a vantagem do masculino é a racionalidade. Minha intenção nesse texto não é discutir as diferenças de gênero, nem discutir tendência feminina ou masculina de comportamento, apesar desses temas serem alguns dos meus preferidos. Quero escrever um pouco sobre essa ideia bastante difundida e aceita em nossa sociedade de que a racionalidade é superior à emocionalidade.
Por sermos racionais somos seres superiores na natureza? Essa seria nossa principal diferença em relação a todos os outros seres do mundo animal. E a emocionalidade? Compartilhamos com outros animais? Animais se emocionam? Esse já é um tema de ampla discussão. Deveríamos começar por procurar definir os termos razão e emoção mas é capaz que você interrompa a leitura nesse exato momento, achando que isso já é demais: “definições sobre o óbvio!?!”
Então, vou optar por outro caminho e confrontá-lo com uma afirmativa: dividimos a capacidade de nos emocionar com todos os outros mamíferos e, com alguns deles, temos até semelhanças nas expressões faciais. Já a tal racionalidade parece mesmo ser exclusividade nossa. Em que nos diferenciamos por termos a capacidade de racionalizar? Para tentar reduzir tudo a uma simples frase, a razão nos permite modificar o futuro para que possamos nos adaptar melhor ao ambiente que estamos submetidos. Essa capacidade de entender, abstrair, criar, analisar, definir e planejar permitiu que seres fracos e submissos da floresta pudessem descer das árvores e explorar ambientes sem arriscar completamente sua sobrevivência. Ao organizar as tarefas entre os membros da tribo, cuidar dos filhotes dentro do bando, dominar o fogo e estabelecer cultura, garantiu-se a sobrevivência de uma espécie que estava restrita às copas das árvores. Sim, nossa razão foi nossa salvação.
Não há dúvidas da importância da racionalidade para a espécie humana. A questão é que, para destacar essa importância, passamos a negar algo que permitiu a evolução e a glória de todos os mamíferos que se posicionaram com folga no topo da pirâmide alimentar: as emoções.
E nessa dinâmica entre emoção e razão, sai ganhando quem tem disponível um bom balanço entre elas. Está bem na fita quem escuta suas emoções com atenção e as usa conscientemente como balizador das suas escolhas e decisões. Aqueles que estão conectados demais com a racionalidade pura e negam suas emoções, estão cobrindo com uma pá de cal um conjunto de informações de grande qualidade que se configuram num tipo de memória que não tem uma data definida nem um lugar preciso em que aconteceu, mas que nos causa aquela sensação de “isso aqui não me cheira bem”.
Mas a real confusão está nas definições que evitei dar no início do texto mas que agora não posso fugir mais. A razão é a capacidade de inferir sobre o futuro, inventando aquilo que não existe a partir de regras bem definidas de causa e consequência que observamos no ambiente. Extraímos regras de funcionamento e acreditamos que somos capazes de controlar o futuro. Avaliamos e nos sentimos confortáveis ao planejarmos as coisas. Mas, como infelizmente, quanto mais complexo fica o cenário, mais difícil é dar conta de tudo e nos tornamos escravos da razão. No fim dessa história, nossa razão pode ser a fonte de nossa maior ansiedade e insegurança. É nesse contexto que nossa “intuição” pode fazer enorme diferença. O importante é saber ouvir e discernir sobre suas emoções. É aí que reside o truque do equilíbrio entre emoção e razão, porque as emoções são sinais que seu cérebro lhe dá quando reconhece um padrão no ambiente que já foi vivido antes e que tem alguma importância, seja para que você se afaste dele ou vá em sua direção.
Ao conectar sua capacidade de construir inferências com uma potente escuta emocional, você estará avançando para além dos limites de gênero ou cultura e encontrando o lugar onde seres humanos tornam-se completos e verdadeiramente sábios. Vale tentar alcançar esse momento antes que a idade apenas permita dar bons conselhos e contemplar a vida.